Devido à natureza de nosso intelecto, idéias gerais devem surgir por meio da abstração a partir de observações particulares; estas devem, portanto, existir antes das primeiras. Se isso de fato ocorre, como no caso do homem cujo aprendizado baseia-se exclusivamente em sua própria experiência — que não possui professor nem livros —, o indivíduo sabe muito bem quais de suas observações particulares pertencem a, e são representadas por, cada uma de suas idéias gerais. Possui uma perfeita familiaridade com ambos os lados de sua experiência e, assim, lida corretamente com tudo o que se apresenta diante dele. Esse pode ser denominado o método natural de educação.
Por outro lado, o método artificial consiste em ouvir o que os demais dizem, em aprender e em ler, de modo a abarrotar a mente com idéias gerais antes de possuir qualquer familiaridade aprofundada com o mundo em si. Então se espera que posteriormente a experiência forneça as observações particulares relativas a essas idéias gerais; mas, até que isso ocorra, as idéias gerais são aplicadas erroneamente, os homens e as coisas são julgados sob uma ótica falsa, vistos sob uma ótica equivocada, e são abordados de maneira incorreta. Essa educação perverte a mente. Isso explica por que, em nossa juventude, após muito aprendizado e leitura, ingressamos no mundo em parte ignorantes sobre as coisas e em parte equivocados a seu respeito; assim, num instante nosso comportamento é guiado por uma ansiedade nervosa, num outro por uma confiança infundada. A razão disso é o fato de nossas mentes estarem repletas de idéias gerais que tentamos aplicar, mas quase nunca conseguimos. Esse é o resultado de agirmos em direta oposição ao desenvolvimento natural da mente, obtendo as idéias gerais primeiro e as observações particulares depois: colocamos a carruagem antes dos cavalos. Em vez de desenvolver a capacidade de discernimento da própria criança, ensinando-a a julgar e a pensar por si própria, o professor devota todas as suas forças a entulhar sua mente com idéias prontas de outros indivíduos. Nessa situação, essas visões equivocadas sobre a vida, que resultam da aplicação incorreta das idéias gerais, terão de ser posteriormente corrigidas por longos anos de experiência, e é muito raro que o sejam por completo. Essa é a razão pela qual tão poucos eruditos são dotados de bom senso, algo que é muito comum encontrarmos em indivíduos que não receberam qualquer instrução.
Familiarizar-se com o mundo pode ser definido como o objetivo de toda educação; segue-se que devemos ter um cuidado especial com o início desse processo, para assim adquirirmos o conhecimento em sua ordem correta. Como demonstrei, isso significa principalmente que as observações particulares de cada coisa devem vir antes das idéias gerais a seu respeito; além disso, que idéias estreitas e limitadas virão antes das mais abrangentes; e também que todo o sistema de educação seguirá os passos que as próprias idéias precisam dar no curso de sua formação. Contudo, assim que se remove algum elemento dessa seqüência, o resultado são idéias gerais deficientes e, a partir dessas, idéias gerais falsas; por fim, surge uma visão de mundo distorcida que é peculiar ao indivíduo — uma visão que quase todos abraçam por algum tempo, e a maioria dos homens por toda a vida. Todos os que voltarem seus olhares às suas próprias mentes perceberão que foi apenas após atingir uma idade bastante madura, e às vezes quando menos esperavam, que conseguiram alcançar uma compreensão clara de muitos assuntos que, afinal, não eram tão difíceis ou complicados. Até então, havia pontos de seu conhecimento que ainda eram obscuros devido às aulas que foram omitidas na fase inicial de sua educação, seja qual fosse seu tipo — artificial, por meio de professores, ou do tipo natural, baseado na experiência pessoal.
Assim, deveríamos tentar entender a seqüência estritamente natural do conhecimento, para que então façamos a educação acompanhá-la metodicamente, e assim as crianças tornem-se familiarizadas com a marcha do mundo, sem ter suas mentes abarrotadas de idéias equivocadas, que muitas vezes jamais conseguirão abandonar. Se esse procedimento fosse adotado, deveríamos ter um cuidado especial em evitar que crianças utilizassem palavras que não compreendem claramente. Mesmo crianças têm freqüentemente a tendência fatal de se satisfazer com palavras em vez de tentar entender as coisas — um desejo de decorar frases capazes de tirá-las de dificuldades quando necessário. Tal tendência ainda permanece depois que crescem, e essa é a razão pela qual o conhecimento de muitos eruditos é mera verborragia. Entretanto, o empenho essencial deve ser para que as observações particulares venham antes das idéias gerais, e nunca vice versa, como é o caso normal e infelizmente; como se uma criança viesse ao mundo a partir dos pés, ou um verso fosse escrito a partir da rima! O método corrente consiste em enxertar idéias e opiniões — que são, no estrito senso da palavra, preconceitos — na mente da criança, enquanto esta ainda possui um repertório muito limitado de observações particulares, e ela então aplica esse aparato de ide ias às observações particulares e à experiência. Em vez disso, as idéias gerais e os julgamentos deveriam ter se cristalizado a partir das observações particulares e da experiência. Ao ver o mundo por si próprio, o indivíduo tem uma percepção rica e variada que não pode, naturalmente, competir com a brevidade e rapidez do método que emprega idéias abstratas para finalizar o assunto rapidamente por meio de generalizações. Será necessário um longo tempo para corrigir essas idéias preconcebidas, uma tarefa que talvez nunca seja concluída; pois sempre que algum aspecto da experiência contradiz essas noções preconcebidas, as evidências são rejeitadas de antemão como unilaterais, ou são simplesmente negadas; os homens fecham seus olhos às evidências apenas para que seus preconceitos permaneçam intactos. Desse modo, muitos homens carregam um fardo de equívocos ao longo de suas vidas inteiras — muletas, caprichos, fantasias, preconceitos, os quais por fim se tornam idéias fixas. O fato é que o indivíduo nunca tentou elaborar suas idéias fundamentais por si mesmo a partir de sua própria experiência de vida, de seu próprio modo de ver o mundo, pois recebeu todas as suas idéias já prontas de terceiros; e é isso o que torna esse indivíduo — e tantos outros! — tão raso e insípido. Em vez disso, deveríamos cuidar para que as crianças fossem educadas dentro de parâmetros naturais. Só devemos introduzir conceitos nas mentes das crianças por meio da observação, ou ao menos verificá-los dessa maneira. Como resultado, a criança assimilaria poucos conceitos, mas estes seriam bem fundamentados e precisos. Aprenderia então a medir as coisas não por critérios alheios, mas pelos próprios; e assim se esquivaria de um milhar de preconceitos e caprichos, os quais não precisarão ser posteriormente erradicados pelas valiosas lições da escola da vida. Desse modo, sua mente estaria desde sempre habituada a uma visão clara e a um conhecimento profundo; empregaria seu próprio julgamento e teria uma visão imparcial dos fatos.
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