Gari e diarista vencem corrida no Morro do Alemão
O Rio de Janeiro presenciou no último domingo a que talvez tenha sido a corrida mais bacana do ano. Não tanto pelo cenário, mas pelo seu significado: o Desafio da Paz marcou seis meses da ocupação policial do Morro do Alemão, realizada depois de horas de enfrentamento com grupos de traficantes que dominavam a região.
A prova de cerca de 5 km passou exatamente pela estrada que ficou famosa nas imagens televisivas como rota de fuga dos traficantes. Organizada pelo grupo AfroReggae, a corrida teve a participação de celebridades televisivas, autoridades, polícia –cerca de 40 policiais do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) estiveram presente—e alguns corredores de elite, como Franck Caldeira e Márcia Narloch.
Além da festa para as câmeras televisivas, houve também a diversão para a comunidade do Morro do Alemão. Os moradores da região tiveram direito a 400 vagas gratuitas e concorreram a prêmios que totalizaram R$ 20 mil.
Tudo isso talvez você já tenha ouvido ou lido de revesgueio por aí. Este blog, porém, foi conversar com os vencedores da categoria comunidade, que queimaram o chão naquela morreira toda.
No masculino, José Carlos Barreto da Silva venceu em 19min38, mantendo ritmo de 4min05, o que é de dar inveja a qualquer um... No feminino, a campeã foi Francilene Araújo de Souza, que completou em 22min33 (4min41 por quilômetro, o que é mais que excelente para a subida enfrentada (fotos Divulgação).
Francilene, de 38 anos, gosta tanto de correr que a paixão pelo esporte chegou até a interferir no seu casamento. Nascida em Sobral, no Ceará, desceu para o Rio com 17 anos, já casada.
Ela começou a correr com 26 anos, em busca de melhorar a saúde, mas o marido não gostava que ela saísse. “Acabou não dando certo”, disse ela, que sustenta os dois filhos com seu trabalho como diarista e treina cerca de 85 km por semana.
A separação foi há dez anos, que é o tempo que ela tem de corrida. Já fez sete maratonas, mas não quer mais saber: “É muito cansativo. Hoje só corro de meia maratona para baixo”.
Moradora da Estação de Ramos, costuma treinar no final da tarde. Os percursos dos seus longões passam pelo Morro do Alemão, Penha e Olaria. Isso hoje em dia: “Antes [da ocupação policial] não me arriscava a subir; agora às vezes vou treinar de madrugada, às vezes de noite...”.
Quando soube da prova e da premiação, fez alguns treinos subindo o morro com força e com vontade. Deram resultado, mas também deixaram uma herança dolorida, uma lesão na coxa. “Assim que sair o prêmio, a primeira coisa que vou fazer é consultar um ortopedista”, diz Francilene.
José Carlos, por sua vez, já tem bem planejado o que pretende fazer com o dinheiro do prêmio. Vai usar os R$ 6.000 para completar a casa da irmã, onde mora, no Morro do Alemão.
Também filho do Ceará, José Carlos, 35, mora há 17 anos no Rio, para onde foi em busca de trabalho.
Começou a correr em 2003, inspirado pelas corridas que via na televisão. “Eu dizia para minha irmã: um dia vou estar ali”. Da fala ao fato foi um pulo, e ele estreou direto na meia maratona do Rio, que completou bem graças à resistência construída em seu trabalho como gari.
Resistência que lhe tem garantido boas colocações em provas: “Valendo dinheiro, essa foi minha primeira vitória. Mas tenho vários troféus...”, diz ele, que costuma treinar todos os dias depois do trabalho.
“Eu treinava no morro, onde foi o percurso da prova, mas aconteceram algumas mortes, então fui treinar lá embaixo”, diz ele, que alterna treinos mais longos, de 15 km, com treinos de velocidade, tiros de 500 m e 400 m.
José Carlos ainda não sabe qual será seu próximo desafio: “Estou um pouco machucado, com dor nas canelas. Vou esperar passar e depois vou ver o que fazer”.
Duas hisórias emocionantes de verdadeiros Vencendores e lições para aqueles que tem alguma prova na vida a ser vencida.
Postado por Joildo Alexandre
Escrito por Rodolfo Lucena às 15h09
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