Art. 41. Qual é o poder da alma com
respeito ao corpo.
Mas a vontade é, por natureza, de tal
modo livre que nunca pode ser compelida; e, das duas espécies de pensamentos
que distingui na alma, das quais uns são suas ações, isto é, suas vontades, e
os outros as suas paixões, tomando-se esta palavra em sua significação mais
geral, que compreende todas as espécies de percepções, os primeiros estão
absolutamente em seu poder e só indiretamente o corpo pode modificá-los, assim
como, ao contrário, os últimos dependem absolutamente das ações que os
produzem, e a alma só pode modificá-los indiretamente, exceto quando ela
própria é sua causa53. E toda a ação da alma consiste em que, simplesmente por
querer alguma coisa, leva a pequena glândula, à qual está estreitamente unida,
a mover-se da maneira necessária a fim de produzir o efeito que se relaciona
com esta vontade.
Art. 42. Como encontramos em nossa
memória as coisas de que nos queremos lembrar.
Assim, quando a alma quer lem-brar-se
de algo, essa vontade faz com que a glândula, inclinando-se sucessivamente para
diversos lados, impila os espíritos para diversos lugares do cérebro, até que
encontrem aquele onde estão os traços deixados pelo objeto de que queremos nos
lembrar; pois esses traços não são outra coisa senão os poros do cérebro, por
onde os espíritos tomaram anteriormente seu curso devido à presença desse
objeto, e adquiriram, assim, maior facilidade que os outros, para serem de novo
abertos da mesma maneira pelos espíritos que para eles se dirigem; de sorte que
tais espíritos, encontrando esses poros, entram neles mais facilmente do que
nos outros, excitando, por esse meio, um movimento particular na glândula, que
representa à alma o mesmo objeto e lhe faz saber que se trata daquele do qual
queria lembrar-se.
Art. 43. Como a alma pode imaginar,
estar atenta e mover o corpo.
Assim, quando se quer imaginar algo
que nunca se viu, essa vontade tem o poder de levar a glândula a mover-se da
maneira necessária para impelir os espíritos aos poros do cérebro por cuja
abertura essa coisa pode ser representada; assim, quando se pretende fixar a
atenção para considerar por algum tempo um mesmo objeto, tal vontade retém a
glândula, durante esse tempo, inclinada para um mesmo lado; assim, enfim, quando
se quer andar ou mover o próprio corpo de alguma maneira, essa vontade faz com
que a glândula impila os espíritos para os músculos que servem para tal efeito.
Art. 44. Que cada vontade é
naturalmente unida a algum movimento da glândula; mas que, por engenho ou por
hábito, se pode uni-la a outros.
Todavia, nem sempre é a vontade de
provocar em nós algum movimento ou algum outro efeito que pode levar-nos a
excitá-lo; mas isso muda conforme a natureza ou o hábito tenham diversamente
unido cada movimento da glândula a cada pensamento5 4. Assim, por exemplo,
se se quer dispor os olhos para olhar um objeto muito distanciado, essa vontade
faz com que a pupila se dilate; e se se quer dispô-los a olhar um objeto muito
próximo, essa vontade faz com que a pupila se contraia; mas se se pensa apenas
em alargar a pupila, em vão teremos tal vontade, pois nem por isso
conseguiremos alargá-la, já que a natureza não uniu o movimento da glândula que
serve para impelir os espíritos ao nervo óptico da maneira necessária a dilatar
ou a contrair a pupila com a vontade de dilatar ou contrair, mas antes com a de
olhar objetos afastados ou próximos. E quando, ao falar, pensamos apenas no
sentido do que queremos dizer, isto faz com que mexamos a língua e os lábios
muito mais rapidamente e muito melhor do que se pensássemos em mexê-los de
todas as formas necessárias para proferir as mesmas palavras, dado que o hábito
que adquirimos de aprender a falar fez com que juntássemos a ação da alma, que,
por intermédio da glândula, pode mover a língua e os lábios, mais com a
significação das palavras que resultam desses movimentos do que com os próprios
movimentos.
Art. 45. Qual é o poder da alma com
respeito às suas paixões 5 s.
Nossas
paixões também não podem ser diretamente excitadas nem suprimidas pela ação de
nossa vontade, mas podem sê-lo, indiretamente, pela representação das coisas
que costumam estar unidas às paixões que queremos ter, e que são contrárias às
que quere mos rejeitar. Assim, para excitarmos em nós a audácia e suprimirmos o
medo, não basta ter a vontade de fazê-lo, mas é preciso aplicar-nos a
considerar as razões, os objetos ou os exemplos que persuadem de que o perigo
não é grande; de que há sempre mais segurança na defesa do que na fuga; de que
teremos a glória e a alegria de havermos vencido, ao passo que não podemos
esperar da fuga senão o pesar e a vergonha de termos fugido, e coisas
semelhantes.
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