segunda-feira, 4 de junho de 2012

Artigo: A ANGÚSTIA, O NADA E A MORTE EM HEIDEGGER- PARTE I


 Por: Marco Aurélio WERLE1
Neste artigo pretende-se examinar os conceitos de angústia, de nada e de morte na analítica da existência de Heidegger, na medida em que estes três conceitos ocupam um papel estratégico na proposta de Heidegger, em Ser e tempo, de novamente colocar a questão do sentido do ser, sob o fundo do esquecimento do ser provocado por toda a metafísica ocidental. Para tanto, o desenvolvimento do artigo segue o seguinte caminho:
1) inicialmente pretende-se comentar a proposta de Heidegger de uma filosofia da existência, ressaltando seus principais momentos, para, a seguir, 2) situar, no interior da analítica da existência, os temas da angústia, do nada e da morte.
Quando se pretende examinar a filosofia de Heidegger como filosofia da existência, o que significa tratar da primeira filosofia de Heidegger, exposta principalmente em Ser e tempo, do ano de 1927, logo nos defrontamos com um problema, pois o filósofo negou em vários momentos que sua preocupação exclusiva fosse a existência.
Na Carta sobre o Trans/Form/Ação, São Paulo, 26(1): 97-113, 2003 97 1 Professor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP). O presente texto resulta de uma palestra apresentada na XXVI Jornada de Filosofia e Teoria da Ciências Humanas – a filosofia da existência e a tragédia moderna, na UNESP/Marília, em 07/11/2002. humanismo, de 1947, ao se referir ao enunciado de Sartre de que a existência precede a essência, Heidegger afirma: “O enunciado principal do existencialismo` não tem nada em comum com aquele enunciado de Ser e tempo” (1996, p.329). Nesta carta Heidegger inclusive critica o humanismo, também identificado por Sartre como extensão conceitual do existencialismo, e afirma que a essência humana tem de ser pensada para além de uma definição enfática de homem, por ex., como animal racional, já que o que distingue o homem é a sua relação com o ser e o modo como ele resguarda o ser, e não na medida em que é definido como um ser dotado de razão. A partir disso, Heidegger irá dizer neste texto de 1947 que o homem é o pastor do ser e que a linguagem é a casa do ser.
Certamente Heidegger havia dito em Ser e tempo que a essência é a existência (1989a, §9), mas com isso ele não pretendia estabelecer uma filosofia da existência enquanto existencialismo, e sim seu tema era a verdade ou o sentido do ser que, embora deva ser inicialmente posto em questão no âmbito da existência humana, a transcende na direção da história do pensamento filosófico ocidental como um todo2. A primeira questão, portanto, que temos de abordar na filosofia da existência de Heidegger refere-se à sua especificidade de pensar a existência indo além da existência.
O problema fundamental da filosofia de Heidegger como um todo não é a existência, mas a questão do Ser, que ele certamente desenvolve em sua obra principal Ser e tempo no horizonte da existência, mas em seu pensamento posterior aborda no campo de uma certa filosofica da história e de uma reflexão aliada à poesia. O ponto de partida de Heidegger, ou o que coloca o problema do ser, é o esquecimento do ser, que o filósofo diagnostica em toda a tradição filosófica ocidental, começando com Platão e se estendendo até Nietzsche. Desde os gregos o pensamento não teria distinguido adequadamente a diferença entre ente e ser, entre o que existe simplesmente como uma coisa e entre o que é enquanto ser. Em outras palavras, trata-se aqui da confusão entre o ôntico (relativo ao ente) e o ontológico (relativo ao ser), que perfaz a diferença ontológica. Investigar o ser do ente não é a mesma coisa do que investigar a maneira como no ente se manifesta o ser, que neste caso é o ser enquanto tal. É certo que o ser só se dá no ente, mas isso não significa que pode ser reduzido ao ser do ente. O tema do ser, com o qual começou o pensamento ocidental com 98 Trans/Form/Ação, São Paulo, 26(1): 97-113, 2003 2 Sobre o existencialismo de Heidegger, cf. Beaufret (1976, p.67) e também o posfácio de Que é metafísica? (Heidegger, 1989b). os pré-socráticos, portanto, tem de ser novamente levantado a partir de uma ontologia fundamental, e isto tomando como fio condutor o único ente que tem a possibilidade de questionar o ser, que é o homem. Pois o homem é dentre todos os entes o único que compreende o ser, o sentido do fato de que ele é, de que existe.

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