segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Poema de Fernando Pessoa

O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...
São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.
São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.

RECOMENDAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO AOS BLOGS

ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
PROMOTORIA DA 59ª ZONA ELEITORAL

RECOMENDAÇÃO n° 018/2011

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, através do órgão de execução do MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL em exercício nesta 59ª Zona, no exercício das atribuições que lhe são conferidas pelos artigos 129, inciso IX da Constituição Federal de 1988; 78 e 79 da Lei Complementar nº 75/93 e 64 da Lei Complementar Estadual nº 141/96 e

CONSIDERANDO incumbir ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos termos do artigo 127 da Constituição Federal;

CONSIDERANDO que o princípio da moralidade, cristalizado no artigo 37, caput da Constituição Federal, também se aplica às eleições, mesmo na sua fase de preparação;

CONSIDERANDO ser atribuição institucional do Ministério Público promover representações eleitorais por propaganda antecipada e a ação civil de investigação judicial eleitoral para apurar o abuso de poder nas eleições;

CONSIDERANDO que o a Lei nº 9.504/97, em seu artigo 36, estabelece ser a propaganda eleitoral permitida somente após o dia 5 de julho do ano da eleição, neste caso, a partir de 6 de julho de 2012, conforme Resolução n. 23.341/11 do Tribunal Superior Eleitoral;

CONSIDERANDO o §3º do referido artigo de lei estabelecer que a violação do disposto na mencionada norma “sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), ou ao equivalente ao custo da propaganda, se este for maior”;

CONSIDERANDO o artigo 3º da Resolução nº 23.191, de 16 de dezembro de 2009 do Tribunal Superior Eleitoral estabelecer que, para as eleições de 2010, a propaganda eleitoral somente seria permitida a partir de 6 de julho de 2010, vedado qualquer tipo de propaganda política paga no rádio ou na televisão (Lei nº 9.504/97, art. 36, caput e §2º);

CONSIDERANDO a Resolução nº 23.341, Instrução nº 933-81.2011.6.00.0000 – Classe 19 – Brasília – Distrito Federal, do Tribunal Superior Eleitoral, que estatui o calendário para as eleições de 2012, dispor que 6 de julho – sexta-feira, é a “data a partir da qual será permitida a propaganda eleitoral (Lei nº 9.504/97, art. 36, caput)” e “a partir da qual os candidatos, os partidos políticos ou as coligações poderão realizar comícios e utilizar aparelhagem de sonorização fixa, das 8 horas às 24 horas (Lei no 9.504/97, art. 39, §4°)”, bem como “a partir da qual os partidos políticos registrados podem fazer funcionar, das 8 horas às 22 horas, alto-falantes ou amplificadores de som, nas suas sedes ou em veículos (Lei nº 9.504/97, art. 39, §3º).”

CONSIDERANDO a Resolução nº 23.191/10, de 31/12/09, do Tribunal Superior Eleitoral, prescrever que “a representação relativa à propaganda irregular deve ser instruída com prova da autoria ou do prévio conhecimento do beneficiário, caso este não seja por ela responsável”, acrescentando que a “responsabilidade do candidato estará demonstrada se este, intimado da existência da propaganda irregular, não providenciar, no prazo de 48 horas, sua retirada ou regularização e, ainda, se as circunstâncias e as peculiaridades do caso específico revelarem a impossibilidade de o beneficiário não ter tido conhecimento da propaganda”;

CONSIDERANDO que o direito à livre manifestação do pensamento não é absoluto, encontrando limites na seara eleitoral, nas vedações de veiculação de propaganda eleitoral antecipada dentre outras previstas na legislação de regência;

CONSIDERANDO que constitui ato de propaganda eleitoral aquele que leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, a ação política ou as razões que levem a inferir que o beneficiário seja o mais ou menos apto para a função pública;

CONSIDERANDO, ademais, que o Ministério Público Eleitoral tomou conhecimento de que vários “Blogs”, cujos proprietários são do Município de Jardim de Piranhas-RN, vêm fazendo alusão à “pré-candidaturas” de pretensos candidatos a cargos políticos nas eleições municipais vindouras de 2012;

CONSIDERANDO, outrossim, que o “Blog do Jarles Cavalcanti” está promovendo uma enquete para escolher o pretenso candidatos a vereadores e a vice-prefeito na eleições de 2012 para o Município de Jardim de Piranhas-RN;

RESOLVE RECOMENDAR:

1. AOS PROPRIETÁRIOS DE BLOGS DO MUNICÍPIO DE JARDIM DE PIRANHAS:
1.1)  A observância do disposto na legislação eleitoral, em especial no que se refere à vedação de propaganda eleitoral extemporânea, notadamente do art. 36 da Lei das Eleições, que só permite a propaganda eleitoral a partir do dia 5 (cinco) de julho do ano da eleição.
1.2) Que se abstenham de veicular propaganda de qualquer natureza em seus “blogs”, seja de forma positiva (enaltecendo as qualidades de  pretenso candidato), seja de forma negativa (evidenciando os motivos pelos quais não de deve votar em determinada pessoa), sob pena de se caracterizar propaganda eleitoral antecipada;
1.3) Que se abstenham de mencionar a existência de “chapas” para as candidaturas vindouras nas eleições de 2012;
1.4) Que se abstenham de realizar “enquetes” para a escolha de pretensos candidatos a determinados cargos
1.5) Que publiquem na página inicial de seus “blogs” esta recomendação a qual deverá permanecer visível durante 10(dez) dias.

2. AO PROPRIETÁRIO DO BLOG “JARLES CAVALCANTI”:
2.1) Que retire, imediatamente, da página de seu “blog”, as enquetes ali existentes e que visam obter opinião dos internautas sobre quem serão os pretensos candidatos a vereadores e vice-prefeito nas eleições de 2012 neste Município, sob pena de caracterização de propaganda antecipada com a aplicação das sanções cabíveis;

Encaminhe-se a presente Recomendação para que seja publicada no Diário Oficial do Estado, bem como se remetam cópias à CGMP, ao Procurador Regional Eleitoral, ao Juiz desta zona e aos proprietários dos Blogs residentes neste Município.

Solicite-se, outrossim, a divulgação da presente Recomendação através da imprensa local (rádio FM), a fim de que surta os efeitos esperados.

Junte-se cópia desta Recomendação aos autos do Procedimento Preparatório nº 011/2011.

Jardim de Piranhas/RN, 16 de setembro de 2011.

HAYSSA KYRIE MEDEIROS JARDIM
                               Promotora Eleitoral da 59ª Zona

Protocolos do afeto

por Luiz Felipe Pondé para Folha
Famílias podem ser máquinas de moer gente. Uma das marcas de nossa fragilidade é depender monstruosamente de laços tão determinantes e ao mesmo tempo tão acidentais. O acaso de um orgasmo nos une.
Em meio a jantares e almoços intermináveis, o horror escorre invisível por entre os corpos à mesa.
Talvez muitos pais não amem seus filhos e vice-versa. Quem sabe, parte do trabalho da civilização seja esconder esses demônios da dúvida sob o manto de protocolos cotidianos de afeto.
Até o darwinismo, uma teoria ácida para muitos, estaria disposta a abençoar esses protocolos com a sacralidade da necessidade da seleção natural. Mesmo ateus, que costumeiramente se acham mais inteligentes e corajosos, tombam diante de tamanho gosto de enxofre.
Pergunto-me se grande parte do sofrimento psíquico e moral de muita gente não advém justamente da demanda desses protocolos de afeto. Da obrigação de amar aqueles que vivem com você quando a experiência desse mesmo convívio nos remete a desconfiança, indiferença, abusos, mentiras e mesmo ódio.
A horrorosa verdade seria que existem pessoas que não merecem amor? Pelo menos não de você. Mas você é obrigado a amar irmãos, filhos, pais, avós, e similares. E, se não os amar, você adoece.
Um sentimento vago de desencontro consigo pode ocorrer se um dia você se perguntar, afinal, por que deve amar alguém que por acaso calhou de ter o mesmo sangue que você? Alguém que é fruto de um ato sexual entre o mesmo homem e a mesma mulher que o geraram em outro ato sexual.
Quem sabe a força do "mesmo sangue" seja uma dessas coisas que a experiência moderna esmagou, assim como a crença, para muita gente já vazia, no sobrenatural, na providência divina ou no amor romântico.
Sim, o niilismo teria aí uma de suas últimas fronteiras?
É comum remeter esse vazio da perda dos vínculos de afeto ao mundo contemporâneo da mercadoria. Apesar de ser verdade que os laços humanos se desfazem sob o peso do mundo do capital, parece-me uma ingenuidade supor que o mal da irrealidade dos afetos seja "culpa" do capital.
É fato que a modernidade destrói tudo em nome da liberdade do dinheiro, mas é fato também que não criou a espécie em sua miséria essencial. A melancolia tem sido a verdade do mundo muito antes da invenção do dólar.
Por que devo amar alguém apenas porque essa pessoa me carregou em sua barriga por nove meses? Ou porque penetrou, num momento de prazer sexual, a mulher que iria me carregar em sua barriga por nove meses?
Por alguma razão, questões como essas parecem mais sagradas do que Deus, o bem e o mal, ou a vida após a morte. Como se elas devessem ser objetos de maior fé do que as religiosas. Ou porque elas garantem a convivência miúda e tão necessária para a estabilização da sociedade. Só monstros colocariam em dúvida tal sacralidade.
Mas quantas horas nós passamos vasculhando nossas almas em busca de afetos que, muitas vezes, podem ser o contrário do que deveríamos sentir? Ou não achamos nada além da indiferença?
Às vezes, a pergunta pelo amor pode ser apenas um protocolo contra o desespero.
Estamos preparados para pôr em dúvida a normalidade sexual no caso de mulheres que gostam de fazer sexo com cachorros, mas não estamos preparados para suspeitar que grande parte de nosso amor familiar não passe de protocolo social.
Rapidamente, suspeitaríamos que estamos diante de pessoas doentes e sem vínculos afetivos.
Por que, afinal, mulheres homossexuais correm em busca de "misturar" óvulos de uma com a barriga da outra, como se, assim, mimetizassem o coito reprodutivo heterossexual? Será que é amor por uma criança que ainda nem existe ou apenas um desejo secreto de ser "normal"?
Ter filhos é prova desse amor ou apenas um impulso cego que se despedaça a medida que os anos passam?
Um dos nossos maiores inimigos somos nós mesmos, mais jovens, quando tomamos decisões que somos obrigados a manter no futuro. Com o tempo, algo que nos parecia óbvio se dissolve na violência banal de um dia após o outro. Como que diante de um espelho de bruxa.

Vida social como aprendizado


É curioso, mas ainda não aprendemos a viver em sociedade, sobretudo quando nem sequer somos capazes de admitir que outros pensam como nós ou pensaram o que nós já pensamos. A pompa de ineditismo até nos pensamentos pode nos levar ao triste e destrutivo isolamento. Começar a reconhecer que até nossos pensamentos precisam ser compartilhados é o início de uma convivência social necessária para os tempos de hoje.
Além disso, ninguém chega a lugar nenhum sozinho. Os nossos primeiros passos em solo firme foram dados com a ajuda indispensável de outros. As primeiras colheradas de comida foram dadas com a ajuda dos outros. As primeiras mudanças de roupas não foram feitas por mim, mas por outras pessoas que conviviam comigo. Tudo parece fazer parte de uma dimensão social que mexe conosco. Mexe mesmo!
Ora, quantas vezes não nos sentimos incomodados quando vemos outras pessoas terem os mesmos sonhos que nós! Quantos desejos não são comuns por aí, esbarrando uns nos outros! Imagine os pensamentos. Inúmeros, infinitos pensamentos se chocam, talvez, todos os dias. É intrigante, mas, de quando em vez, acabamos por encontrar gente simples como nós com os mesmos ideais, com os mesmos objetivos. Todavia, é aqui onde se desenha a dificuldade de se viver socialmente ou até politicamente. Brigas e desavenças ocorrem justamente por isso. André Comte-Sponville cita algo parecido com isso em sua obra, que agora também é nossa, A Vida Humana: “Somos seres de desejo, e nossos desejos nos opõem. Porque são diferentes? Às vezes. Mais freqüentemente porque são idênticos ou convergentes. Vejam Hobbes, Espinosa, Pascal... Se dois homens desejam a mesma coisa – o mesmo campo, o mesmo poder, a mesma mulher... - , como poderiam não se tornar rivais ou inimigos? Se 'o desejo é a própria essência do homem', como dizia Espinosa, o conflito é a própria essência da sociedade”(pág. 67).
Somos mesquinhos, invejosos, orgulhosos com as coisas, avalie então com as pessoas, com as idéias, os pensamentos, os desejos. Ah, essa idéia é minha, não é sua. Esse projeto é meu, não é seu. Essa obra é minha, jamais foi sua. E tome aborrecimentos pra lá e pra cá, brigas e violência. No entanto, para evitarmos toda essa confusão social, preferimos defender publicamente algo que não existe porque, só assim, ninguém entrará em conflito conosco. Fugimos dos conflitos para viver numa falsa paz, isto é, alterando a “Insociável sociabilidade” no dizer de Kant pela “Sociável sociabilidade” no dizer de muitos ingênuos da política.
E quando tudo parece estar bem, quando na verdade não está, surgem problemas ainda maiores do que os conflitos tão próprios à vida política e social na qual estamos metidos. Nos esquecemos ou, ao menos fingimos ter esquecido que precisamos dividir a mesma “ágora”, a praça, o mesmo espaço público, a mesma cidade, as mesmas vias, os mesmos caminhos. Para isso, é imprescindível um enfrentamento, um choque, muitas vezes ideológico, entre as pessoas que circulam e reivindicam seus direitos. Felizmente ou não, esse é o preço da liberdade nas democracias. Esse é o quinhão da paz em qualquer sociedade.
Temos que insistir em aprender a viver mais em sociedade. Que os escândalos de corrupção não nos afaste da sociedade. Que os radicalismos e extremismos políticos não nos afastem das pessoas. Que a burocracia não nos vença pelo cansaço. Que ilegalidade no Brasil não cegue de uma vez por todas as nossas ambições por justiça. Que nada nos impeça de sonhar! A sociedade tem um espírito incrivelmente comunitário de partilha de interesses, de sonhos e de valores. Essas coisas precisam se abrir à comunidade humana que pulsa crescimento e desenvolvimento. Ninguém nasceu para se atrofiar na solidão. Ninguém vive só. Ninguém age só. Ninguém cresce sozinho. Vamos crescer juntos! Esse, talvez, seja o grande aprendizado da sociedade.
Para terminar, não poderia me privar de citar mais uma vez Comte-Sponville em A Vida Humana: “Privar-se da felicidade da união sagrada, como dizia Alain, não é renunciar aos prazeres da festa, nem às exigências da justiça, nem às necessidades da ação. Renunciar à Grande Noite não é renunciar ao progresso ou à solidariedade. Romper com as utopias não é romper com a política. Desconfiemos dos revolucionários entusiastas demais. Mas, ainda mais talvez, dos conservadores desiludidos de tudo, que gostariam de nos fazer desistir de avançar”(pág. 71).
Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Bacharel em Teologia, Licenciado em Filosofia e Especialista em Metafísica

Sobre a Educação – Arthur Shopenhauer I


Devido à natureza de nosso intelecto, idéias gerais devem surgir por meio da abstração a partir de observações particulares; estas devem, portanto, existir antes das primeiras. Se isso de fato ocorre, como no caso do homem cujo aprendizado baseia-se exclusivamente em sua própria experiência — que não possui professor nem livros —, o indivíduo sabe muito bem quais de suas observações particulares pertencem a, e são representadas por, cada uma de suas idéias gerais. Possui uma perfeita familiaridade com ambos os lados de sua experiência e, assim, lida corretamente com tudo o que se apresenta diante dele. Esse pode ser denominado o método natural de educação.
Por outro lado, o método artificial consiste em ouvir o que os demais dizem, em aprender e em ler, de modo a abarrotar a mente com idéias gerais antes de possuir qualquer familiaridade aprofundada com o mundo em si. Então se espera que posteriormente a experiência forneça as observações particulares relativas a essas idéias gerais; mas, até que isso ocorra, as idéias gerais são aplicadas erroneamente, os homens e as coisas são julgados sob uma ótica falsa, vistos sob uma ótica equivocada, e são abordados de maneira incorreta. Essa educação perverte a mente. Isso explica por que, em nossa juventude, após muito aprendizado e leitura, ingressamos no mundo em parte ignorantes sobre as coisas e em parte equivocados a seu respeito; assim, num instante nosso comportamento é guiado por uma ansiedade nervosa, num outro por uma confiança infundada. A razão disso é o fato de nossas mentes estarem repletas de idéias gerais que tentamos aplicar, mas quase nunca conseguimos. Esse é o resultado de agirmos em direta oposição ao desenvolvimento natural da mente, obtendo as idéias gerais primeiro e as observações particulares depois: colocamos a carruagem antes dos cavalos. Em vez de desenvolver a capacidade de discernimento da própria criança, ensinando-a a julgar e a pensar por si própria, o professor devota todas as suas forças a entulhar sua mente com idéias prontas de outros indivíduos. Nessa situação, essas visões equivocadas sobre a vida, que resultam da aplicação incorreta das idéias gerais, terão de ser posteriormente corrigidas por longos anos de experiência, e é muito raro que o sejam por completo. Essa é a razão pela qual tão poucos eruditos são dotados de bom senso, algo que é muito comum encontrarmos em indivíduos que não receberam qualquer instrução.
Familiarizar-se com o mundo pode ser definido como o objetivo de toda educação; segue-se que devemos ter um cuidado especial com o início desse processo, para assim adquirirmos o conhecimento em sua ordem correta. Como demonstrei, isso significa principalmente que as observações particulares de cada coisa devem vir antes das idéias gerais a seu respeito; além disso, que idéias estreitas e limitadas virão antes das mais abrangentes; e também que todo o sistema de educação seguirá os passos que as próprias idéias precisam dar no curso de sua formação. Contudo, assim que se remove algum elemento dessa seqüência, o resultado são idéias gerais deficientes e, a partir dessas, idéias gerais falsas; por fim, surge uma visão de mundo distorcida que é peculiar ao indivíduo — uma visão que quase todos abraçam por algum tempo, e a maioria dos homens por toda a vida. Todos os que voltarem seus olhares às suas próprias mentes perceberão que foi apenas após atingir uma idade bastante madura, e às vezes quando menos esperavam, que conseguiram alcançar uma compreensão clara de muitos assuntos que, afinal, não eram tão difíceis ou complicados. Até então, havia pontos de seu conhecimento que ainda eram obscuros devido às aulas que foram omitidas na fase inicial de sua educação, seja qual fosse seu tipo — artificial, por meio de professores, ou do tipo natural, baseado na experiência pessoal.
Assim, deveríamos tentar entender a seqüência estritamente natural do conhecimento, para que então façamos a educação acompanhá-la metodicamente, e assim as crianças tornem-se familiarizadas com a marcha do mundo, sem ter suas mentes abarrotadas de idéias equivocadas, que muitas vezes jamais conseguirão abandonar. Se esse procedimento fosse adotado, deveríamos ter um cuidado especial em evitar que crianças utilizassem palavras que não compreendem claramente. Mesmo crianças têm freqüentemente a tendência fatal de se satisfazer com palavras em vez de tentar entender as coisas — um desejo de decorar frases capazes de tirá-las de dificuldades quando necessário. Tal tendência ainda permanece depois que crescem, e essa é a razão pela qual o conhecimento de muitos eruditos é mera verborragia. Entretanto, o empenho essencial deve ser para que as observações particulares venham antes das idéias gerais, e nunca vice versa, como é o caso normal e infelizmente; como se uma criança viesse ao mundo a partir dos pés, ou um verso fosse escrito a partir da rima! O método corrente consiste em enxertar idéias e opiniões — que são, no estrito senso da palavra, preconceitos — na mente da criança, enquanto esta ainda possui um repertório muito limitado de observações particulares, e ela então aplica esse aparato de ide ias às observações particulares e à experiência. Em vez disso, as idéias gerais e os julgamentos deveriam ter se cristalizado a partir das observações particulares e da experiência. Ao ver o mundo por si próprio, o indivíduo tem uma percepção rica e variada que não pode, naturalmente, competir com a brevidade e rapidez do método que emprega idéias abstratas para finalizar o assunto rapidamente por meio de generalizações. Será necessário um longo tempo para corrigir essas idéias preconcebidas, uma tarefa que talvez nunca seja concluída; pois sempre que algum aspecto da experiência contradiz essas noções preconcebidas, as evidências são rejeitadas de antemão como unilaterais, ou são simplesmente negadas; os homens fecham seus olhos às evidências apenas para que seus preconceitos permaneçam intactos. Desse modo, muitos homens carregam um fardo de equívocos ao longo de suas vidas inteiras — muletas, caprichos, fantasias, preconceitos, os quais por fim se tornam idéias fixas. O fato é que o indivíduo nunca tentou elaborar suas idéias fundamentais por si mesmo a partir de sua própria experiência de vida, de seu próprio modo de ver o mundo, pois recebeu todas as suas idéias já prontas de terceiros; e é isso o que torna esse indivíduo — e tantos outros! — tão raso e insípido. Em vez disso, deveríamos cuidar para que as crianças fossem educadas dentro de parâmetros naturais. Só devemos introduzir conceitos nas mentes das crianças por meio da observação, ou ao menos verificá-los dessa maneira. Como resultado, a criança assimilaria poucos conceitos, mas estes seriam bem fundamentados e precisos. Aprenderia então a medir as coisas não por critérios alheios, mas pelos próprios; e assim se esquivaria de um milhar de preconceitos e caprichos, os quais não precisarão ser posteriormente erradicados pelas valiosas lições da escola da vida. Desse modo, sua mente estaria desde sempre habituada a uma visão clara e a um conhecimento profundo; empregaria seu próprio julgamento e teria uma visão imparcial dos fatos.

sábado, 1 de outubro de 2011

Conferência sobre Ética I

   
  Antes de começar a falar sobre meu tema, permitam-me fazer algumas observações introdutórias. Tenho consciência de que terei grandes dificuldades para comunicar meu pensamentos e penso que algumas delas diminuiriam se as mencionasse de antemão. A primeira, que quase não necessito apontar, é que o inglês não é minha língua materna. Por esta razão, meu modo de expressão não possui aquela elegância e precisão que seria desejável para quem fala sobre um tema difícil. Tudo o que posso fazer é pedir que me facilitem a tarefa tentando entender o que quero dizer, apesar das faltas que contra a gramática inglesa vou cometer continuamente. A segunda dificuldade que mencionarei é que, provavelmente, muitos de vocês vieram a esta minha conferência com falsas expectativas. Para esclarecer este ponto, direi algumas palavras sobre a razão pela qual escolhi este tema. Quando o secretário anterior honrou-me pedindo que lesse uma comunicação para esta sociedade, minha primeira ideia foi a de que deveria certamente aceitar e a segunda foi que, se tivesse a oportunidade de falar a vocês, deveria falar sobre algo que me interessava comunicar e que não deveria desperdiçá-la dando, por exemplo, uma conferência sobre lógica. Considero que isto seria perder tempo, visto que explicar um tema científico a vocês exigiria um curso de conferências e não uma comunicação de uma hora. Outra alternativa teria sido apresentar uma conferência que se denomina de divulgação científica, isto é, uma conferência que pretendesse fazer vocês acreditarem que entendem algo que realmente não entendem e satisfazer assim o que considero um dos mais baixos desejos do homem moderno, a saber, a curiosidade superficial sobre as últimas descobertas da ciência. Rejeitei estas alternativas e decidi falar sobre um tema, em minha opinião, de importância geral, com a esperança de que ele ajude a esclarecer suas próprias ideias a respeito (mesmo que vocês estejam em total desacordo com o que vou dizer). Minha terceira e última dificuldade é, de fato, própria de quase todas as conferências filosóficas: o ouvinte é incapaz de ver tanto o caminho pelo qual o levam como também o fim a que este conduz. Isto é, ele pensa: “Entendo tudo o que diz, mas aonde quer chegar?” ou então “Vejo para onde se encaminha, mas como vai chegar ali?” Mais uma vez: tudo o que posso fazer é pedir que sejam pacientes e esperar que, no final, vejam não só o caminho como também onde ele leva.
    Vou iniciar agora. Meu tema, como sabem, é a Ética e adotarei a explicação que deste termo deu o professor Moore em seu livro Principia Ethica. Ele diz: “A Ética é a investigação geral sobre o que é bom.” Agora, vou usar a palavra Ética num sentido um pouco mais amplo, um sentido, na verdade, que inclui a parte mais genuína, em meu entender, do que geralmente se denomina Estética. E para que vejam da forma mais clara possível o que considero o objeto da Ética vou apresentar antes várias expressões mais ou menos sinônimas, cada uma das quais poderia substituir a definição anterior e ao enumerá-las pretendo obter o mesmo tipo de efeito que Galton obteve quando colocou na mesma placa várias fotografias de diferentes rostos com o fim de obter a imagem dos traços típicos que todos eles compartilhavam. Mostrando esta fotografia coletiva, poderei fazer ver qual é o típico — digamos — rosto chinês. Deste modo, se vocês olharem através da série de sinônimos que vou apresentar, serão capazes de, espero, ver os traços característicos que todos têm em comum e que são característicos da Ética. Ao invés de dizer que “a Ética é a investigação sobre o que é bom”, poderia ter dito que a Ética é a investigação sobre o valioso, ou sobre o que realmente importa, ou ainda, poderia ter dito que a Ética é a investigação sobre o significado da vida, ou daquilo que faz com que a vida mereça ser vivida, ou sobre a maneira correta de viver. Creio que se observarem todas estas frases, então terão uma ideia aproximada do que se ocupa a Ética. A primeira coisa que nos chama a atenção nestas expressões é que cada uma delas é usada, realmente, em dois sentidos muito distintos. Vou denominá-los, por um lado, o sentido trivial ou relativo, e por outro, o sentido ético ou absoluto. Por exemplo, se digo que esta é uma boa poltrona, isto significa que esta poltrona serve para um propósito predeterminado e a palavra bom aqui tem somente significado na medida em que tal propósito tenha sido previamente fixado. De fato, a palavra bom no sentido relativo significa simplesmente que satisfaz um certo padrão predeterminado. Assim, quando afirmamos que este homem é um bom pianista, queremos dizer que pode tocar peças de um certo grau de dificuldade com um certo grau de habilidade. Igualmente, se afirmo que para mim é importante não me resfriar quero dizer que apanhar um resfriado produz em minha vida certos transtornos descritíveis e se digo que esta é a estrada correta significa que é a estrada correta em relação a uma certa meta. Usadas desta forma, tais expressões não apresentam problemas difíceis ou profundos. Mas isto não é o uso que delas faz a Ética. Suponhamos que eu soubesse jogar tênis e alguém de vocês, ao ver-me, tivesse dito “Você joga bastante mal” e eu tivesse contestado “Sei que estou jogando mal, mas não quero fazê-lo melhor”, tudo o que poderia dizer meu interlocutor seria “Ah, então tudo bem.”. Mas suponhamos que eu tivesse contado a um de vocês uma mentira escandalosa e ele viesse e me dissesse “Você se comporta como um animal” e eu tivesse contestado “Sei que minha conduta é má, mas não quero comportar-me melhor”, poderia ele dizer “Ah, então, tudo bem”? Certamente não. Ele afirmaria “Bem, você deve desejar comportar-se melhor”. Aqui temos um juízo de valor absoluto, enquanto no primeiro caso era um juízo relativo. A essência desta diferença parece obviamente esta: cada juízo de valor relativo é um mero enunciado de fatos e, portanto, pode ser expresso de tal forma que perca toda a aparência de juízo de valor. Ao invés de dizer “Esta é a estrada correta para Granchester”, eu poderia perfeitamente dizer “Esta é a estrada correta que deves tomar se queres chegar a Granchester no menor tempo possível”. “Este homem é um bom corredor” significa simplesmente que corre um certo número de quilômetros num certo número de minutos, etc. O que agora desejo sustentar é que, apesar de que se possa mostrar que todos os juízos de valor relativos são meros enunciados de fatos, nenhum enunciado de fato pode ser nem implicar um juízo de valor absoluto. Permitam-me explicar: suponham que alguém de vocês fosse uma pessoa onisciente e, por conseguinte, conhecesse todos os movimentos de todos os corpos animados ou inanimados do mundo e conhecesse também os estados mentais de todos os seres que tenham vivido. Suponham, além disso, que este homem escrevesse tudo o que sabe num grande livro. Então tal livro conteria a descrição total do mundo. O que quero dizer é que este livro não incluiria nada do que pudéssemos chamar juízo ético nem nada que pudesse implicar logicamente tal juízo. Conteria, certamente, todos os juízos de valor relativo e todas as proposições científicas verdadeiras que se pode formar. Mas, tanto todos os fatos descritos como todas as proposições estariam, digamos, no mesmo nível. Não há proposições que, em qualquer sentido absoluto, sejam sublimes, importantes ou triviais. Talvez agora alguém de vocês esteja de acordo e invoque as palavras de Hamlet: “Nada é bom ou mau, mas é o pensamento que o faz assim.” Mas isto poderia levar novamente a um mal-entendido. O que Hamlet diz parece implicar que o bom ou o mau, embora não sejam qualidades do mundo externo a nós, são atributos de nossos estados mentais. Mas o que quero dizer é que um estado mental entendido como um fato descritível não é bom ou mau no sentido ético. Por exemplo, em nosso livro do mundo lemos a descrição de um assassinato com todos os detalhes físicos e psicológicos e a mera descrição nada conterá que possamos chamar uma proposição ética.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Poema de Fernando Pessoa

Fosse eu apenas, não sei onde ou como,
Uma coisa existente sem viver,
Noite de Vida sem amanhecer
Entre as sirtes do meu dourado assomo....
Fada maliciosa ou incerto gnomo
Fadado houvesse de não pertencer
Meu intuito gloríola com Ter
A árvore do meu uso o único pomo...
Fosse eu uma metáfora somente
Escrita nalgum livro insubsistente
Dum poeta antigo, de alma em outras gamas,
Mas doente, e , num crepúsculo de espadas,
Morrendo entre bandeiras desfraldadas
Na última tarde de um império em chamas...