Os gregos distinguiam três classes de alma: a alma sensitiva ou a alma dos sentidos (vê-se aqui porque o Amor, filho de Afrodite, sentiu tão veemente paixão por Psiquê, e porque Psiquê o amou ternamente): o sopro que dá vida e movimento a toda máquina, e que nós traduzimos por espírito; e a terceira classe da alma que, como nós, chamaram inteligência. Possuímos, pois, três almas, sem ter a mais ligeira noção de nenhuma delas. São Tomás de Aquino admite estas três almas, como bom peripatético, e distingue cada uma delas em três partes: uma está no peito, outra em todo o corpo e a terceira na cabeça. Em nossas escolas não se conheceu outra filosofia até o século 18. E desgraçado o homem que tomasse uma dessas almas por outra!
Há, sem dúvida, motivo para este caos de ideias. Os homens entendiam que quando os excitavam as paixões do amor, da cólera o do medo, sentiam certos movimentos nas entranhas. O fígado e o coração foram assinalados como sendo o local das paixões. Quando se medita profundamente, sentimos certa opressão nos órgãos da cabeça; logo, a alma intelectual está no cérebro. Sem respirar não é possível a vegetação e a vida; logo, a alma vegetativa está no peito, que recebe o sopro do ar.
Quando os homens viram em sonhos seus pais e amigos mortos, dedicaram-se a estudar o que lhes havia aparecido. Não era corpo, porque o havia consumido uma fogueira, o mar o tinha tragado e havia servido de pasto aos peixes. Isso, não obstante, sustinha que algo lhes havia aparecido, posto que o tinham visto; o morto havia lhes falado e o que estava sonhando lhes dirigia perguntas. Com quem haviam conversado dormindo? Se imaginaram que era um fantasma, uma figura aérea, uma sombra, os manes, uma pequena alma do ar e fogo extremadamente delicada, que vagava por não sei onde.
Andando o tempo, quando quiseram aprofundar este estudo, convencionaram que tal alma era corporal, e esta foi a ideia que dela teve a antiguidade. Chegou depois Platão, que utilizou essa alma de tal maneira que se chegou a suspeitar que a separou quase completamente da matéria; porém esse problema não se resolveu até que a fé veio iluminar-nos.
Em vão os materialistas alegam que alguns pais da Igreja não se expressaram com exatidão. Santo Irineu diz que e alma é o sopro da vida, que só é incorporal se comparada ao corpo dos mortais, porém que conserva a figura de homem para que se a reconheça.
Tertuliano se expressa deste modo: “A corporalidade da alma ressalta no Evangelho; porque se a alma não tivesse corpo, a imagem da alma não teria imagem corpórea”. Em vão esse mesmo filósofo refere à visão de uma mulher santa que viu um alma muito brilhante e da cor do ar.
Alegam que Santo Hilário disse, em tempos posteriores: “Não há nada que não seja corporal, nem no céu nem na terra, nem no visível ou invisível; tudo está formado de elementos, e as almas têm sempre uma substância corporal.”
Santo Ambrósio, no século 6, disse: “Não conhecemos nada que não seja material, excetuando-se a Santa Trindade.”
A Igreja decidiu, por unanimidade, que a alma é imaterial. Os citados santos incorreram em um erro que era então universal: eram homens, porém não se equivocaram a respeito à imortalidade, porque os Evangelhos evidentemente a anunciam.
Precisamos nos conformar com a decisão da Igreja, porque não possuímos noção suficiente do que se chama espírito puro e do que se chama matéria. O espírito puro é uma palavra que não nos transmite nenhuma ideia; e só conhecemos matéria por alguns de seus fenômenos. A conhecemos tão pouco, que a chamamos substância, e a palavra substância quer dizer o que está embaixo; porém este embaixo está oculto eternamente para nós; é o segredo do Criador em todas partes. Não sabemos como recebemos a vida, nem como a damos, nem como crescemos nem como digerimos, nem como dormimos, nem como pensamos, nem como sentimos
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