A resposta de Platão à necessidade de se resgatar o velho sentido da Ética, da Justiça e da Moral, perdidos durante o período de crescimento e enriquecimento de Atenas, contaminados pela hipocrisia, é a "volta a uma sociedade mais simples". Mas não uma volta ao passado real, antes a um passado imaginário situado em algum lugar no futuro no qual os velhos valores – renovados a partir das indagações e críticas de Sócrates – possam orientar uma sociedade estável que tende à perfeição.
Assim à dissociação entre o mundo real e os valores éticos Platão contrapõe a necessidade de uma reconstrução da sociedade segundo estes valores, por mais radical que ela possa parecer. O eixo da ampla reforma sugerida por Platão para construir a sociedade perfeita é a substituição da plutocracia que reinava na Atenas Imperial dos mercadores por uma "timocracia do espírito" na qual os governantes seriam os melhores dentre os homens de seu tempo em termos de conhecimento e sabedoria.
Mas as implicações da utopia platônica não param por aí. É necessário limitar ao mínimo a propriedade, tornar-se vegetariano – como proposto por Pitágoras – e até extinguir as unidades familiares de forma a garantir que todos se sintam irmãos de fato porque criados pelo Estado, não por famílias. Ele não se propõe a eliminar os mercadores e agricultores, mas limitar-lhes a ação e, sobretudo, privar-lhes por completo do poder político. A eles não seria imposta a dura disciplina da posse em comum das mulheres, das dietas e exercícios rigorosos, mas exige-se obediência à lei dura e às ordens dos Guardiães, a elite dirigente concebida por Platão
Sobre estes Guardiães pesa tal grau de regras e responsabilidades que a escolha deixa de ser um privilégio para tornar-se um sacrifício, só concebível para aqueles que conseguem realmente compreender que a eudaimonia exige perfeita identidade entre o bem comum e a satisfação pessoal. Insatisfeito com os rumos da democracia, Platão concebe um sistema de governo no qual a educação universal – rígida e valorizada – serve tanto como elemento selecionador de quais elementos entrarão na classe dos Guardiães, como elemento da formação destes guardiães.
Esta noção em certa medida vem das inúmeras ocasiões nas quais Sócrates deplorou a pouca preparação intelectual dos dirigentes, clamando que era incompreensível que para as tarefas mais triviais se exigisse preparação, mas que aos governantes bastava serem capazes de conduzir pela demagogia ou pela compra de votos à massa dos atenienses. Platão sabe que a disciplina extrema que prega a seus guardiães – paradoxalmente tão próxima dos grandes adversários dos atenienses, os espartanos – não pode ser estendida a toda a sociedade, mas a considera essencial à existência de um princípio ético de fato que guie o conjunto da sociedade.
No pensamento de Platão, portanto, o reencontro da ética e da realidade se dá através de uma grande reforma social, política e econômica que torne a cidade mais simples, mais desligada dos valores materiais, mais igualitária. A preservação desta nova cidade só poderia ser feita se o poder fosse centralizado neste estrato dominante dos guardiães para os quais a simplicidade e a privação – bem como a educação – deveriam ser ainda mais rígidos.
Estes homens, escolhidos por seus méritos, praticaram a harmonia completa do verdadeiro sentimento ético, sacrificando a si próprios em detrimento do bem comum sem outra recompensa senão a gratidão de seus súditos. Homens de vontade férrea não teriam famílias nem posses e viveriam numa fraternidade na qual não existiria espaço para a hipocrisia ou a vaidade.
Até que ponto as concepções de Platão são as de Sócrates, em nome de quem o discípulo fala em seus diálogos – cujos oponentes usuais são geralmente os sofistas – é uma questão ainda não esclarecida. A crítica textual em geral considera que os primeiros diálogos seriam mais fiéis às palavras de Sócrates, enquanto os últimos já contém interpolações platônicas demais para serem considerados como fruto de outra autoria que não a do próprio Platão.
Ainda assim a concepção essencial da ética de Sócrates – segundo a qual basta saber o que é a bondade para ser bom – é também a concepção de Platão, mas com duas diferenças básicas. Sócrates jamais exprimiu de forma objetiva o que ele entendia como bondade, deu apenas definições negativas do conceito demonstrando o caráter superficial deste e outros conceitos em sua época.
Platão por sua vez define esta bondade como sendo a Idéia Geral de bondade, seu conceito mais abstrato cuja sombra era as noções cotidianas da bondade. Para descobrir o que era a Bondade, portanto, seria necessário afastar esta sombra refletida pelas convenções para chegar à noção em si da bondade. A segunda diferença é que ao propor sua utopia, Platão esforça-se se não para definir este conceito absoluto de bondade, ao menos para definir como seria uma sociedade na qual ela poderia prosperar.
A noção desta Idéia Geral da bondade é exposta no debate em torno do Anel de Giges, que permitiria ao seu proprietário tornar-se invisível – e as similaridades com o conto de H.G. Wells no século XX não é mera coincidência. A questão debatida é se uma pessoa que pode se tornar invisível, portanto está além do alcance de qualquer atitude coercitiva para praticar o bem, ainda assim seria boa.
Para Platão, uma pessoa que conheça a essência da bondade sabe que só pode ser feliz se agir corretamente e assim a posse do anel não fará diferença para ela. Mesmo intocável pelo longo braço da lei este indivíduo que detém o conhecimento não se sentiria tentado a agir de forma diferente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário