O homem não vai encontrar a “partícula de Deus”. E se Higgs ou Hawking vão ver suas teorias e críticas confirmadas ou não pelo acelerador de partículas LHCm isso já não é mais importante – não para a filosofia, ou parte importante desta. Pois seja qual for o resultado de tudo que envolve o LHC, o fato central é que o homem conseguiu dar de cara com Deus a partir do que está acontecendo na Suíça no CERN.
Para filósofos da ciência importa, sim, o que se poderá falar de metodologia de pesquisa e de cosmologia a partir do funcionamento e dos resultados do LHC. Para filósofos da religião e teólogos o LHC talvez interesse para que se possa arrumar argumentos que envolvem teses milenares. Todavia, para filósofos como eu e muitos outros, nós, os pragmatistas rortianos e davidsonianos, o que há de mais importante nesse assunto não é isso. O fato fantástico é que o homem se deparou diretamente com Deus na Suíça, e agora sabe bem qual é o seu rosto. Caso ainda não saiba, precisa saber.
O rosto de Deus que emergiu no experimento da Suiça não está marcado no Santo Sudário. Muito menos está em um plano que nos transcende. E não pertence a altar de nenhuma Igreja, nem mesmo à igreja da ciência. Pois Deus se mostrou no que ele realmente é. Na verdade, o homem não descobriu Deus com esse experimento do LHC, o homem fabricou Deus. Todos sabem quem é Deus agora. Ele é a capacidade de união e organização racional do homem de um modo que nunca imaginamos antes que seria possível. O número de pessoas, de computadores, de capacidades racionais, de disposições de coordenação e, enfim, de mobilização de países e de dinheiro para que se pudesse construir e fazer o LHC funcionar é algo nunca visto antes. Aliás, nem mesmo imaginado há menos de duas décadas. O experimento poderia ser imaginável, mas não a organização para realizá-lo.
Que o homem poderia conseguiu reunir muitas pessoas para, sob o chicote, fazer pirâmides, nós já sabíamos. Que o homem poderia reunir equipes de cérebros para chegar à Lua, também já sabíamos. Que o homem, para não perder a liberdade, poderia fazer o esforço que fez ao gerar o Dia D e, assim, colocar fim ao nazismo, também vimos. Foram feitos grandiosos. Mas nenhum desses feitos demandou a capacidade de organização e cooperação que se precisou para o LHC, colocando cérebros, dinheiro, capacidades racionais e disposições, tudo isso em um volume inaudito, para funcionar segundo a precisão de um relógio, e isso por um tempo longo - pois os experimento apenas começou. E nunca se fez tamanho trabalho de cooperação tendo no horizonte um objetivo puramente teórico. O homem precisa perceber que, enquanto o LHC estiver funcionando, ele terá consubstanciado Deus por meio da organização cooperativa que demonstra.
Daqui para frente, qualquer dificuldade que o homem vier a ter na Terra, ainda que ele erre mil vezes para solucioná-la, ele saberá que pode solucioná-la. Pois nenhuma dificuldade pode ser maior que essa capacidade de organização e cooperação que o homem mostrou possuir com tudo que envolveu e virá a envolver o LHC lá na Suíça.
Não importa aqui se tudo isso foi ou não gerado para, em uma segunda instância, termos um novo desenvolvimento industrial. Não importa aqui se quem investiu vai querer retorno. Isso é o natural de nossa vida. O que importa é que durante 14 anos o homem sonhou que poderia criar uma rede de organização fantástica, com todos os elos concatenados, para investigar o mundo microfísico, ou seja, para simplesmente satisfazer uma curiosidade intelectual. E o mais fantástico ainda: essa coordenação de esforços se concretizou e deu certo. Não houve nada no mundo até hoje, em condições de liberdade, que tenha sido similar a tal tipo de esforço coordenativo, e com um belo objetivo, se podemos dizer isso e, assim, nos regozijar por sermos ainda iluministas. Deus é essa capacidade de cooperação do homem. O homem fez Deus neste início de setembro de 2008. Não podemos nos esquecer disso.
O que importa, portanto, é isto: todas as vezes que o homem tiver algum problema que possa ferir a humanidade em qualquer de seus elos mais fracos, estará no horizonte escrito o seguinte: isto não precisava ocorrer, e se ocorreu, pode ter seu sofrimento bem diminuído, basta chamar Deus, ou seja, basta evocar nossa capacidade de cooperação de modo racional e em favor de razão.
Fome, guerras e arrumações políticas que mais desarrumam continuarão a ser produzidas. Mas elas deverão trazer mais e mais indignação a partir de agora, pois sabemos que nossa capacidade de trabalhar conjuntamente em um projeto que depende de resultados precisos, com decisões coordenadas por muita gente mesmo, é algo que temos condição de fazer. Sempre poderemos dizer: ah, estamos passando por tal dificuldade por uma razão simples, para esse problema não quisemos botar Deus para funcionar, não quisemos incomodá-lo.
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