A Filosofia se caracteriza por um constante perguntar e, no decorrer da sua história, numa vasta coletânea de respostas-tentativas a essas questões. Uma dessas indagações diz respeito ao que é o ser humano.
Variadas foram as tentativas de respondê- la e uma maneira freqüentemente utilizada para balizar a pergunta sobre o que caracteriza especificamente o ser humano foi compará-lo àquilo que ele não é, mas que lhe é, de certa forma, próximo: os animais.
Aristóteles, por exemplo, dizia que o homem era o único animal racional, e considerava, pois, a racionalidade como a característica que distinguia o homem do animal. Para Descartes, o animal era apenas um autômato, que agia por condicionamento, e não possuía pensamento.
Rousseau, ainda se utilizando da analogia com os animais, defendia que o que os distingue, de fato, do ser humano é algo que ele denominou "perfectibilidade". O nome vem de um neologismo um tanto inusitado, mas seu significado é por ele esclarecido: a perfectibilidade é a capacidade que o homem possui de aperfeiçoar-se.
Atualizando um pouco a distinção, poder-se-ia dizer que é como se os animais viessem com um software instalado de fábrica, o qual os condiciona e limita durante toda a existência. Já os humanos seriam, nesse sentido, ilimitados, porque são seres que se aperfeiçoam, desenvolvem cultura, fazem história.
Enquanto um pombo morreria de fome diante de um pedaço de carne ou um felino frente a um punhado de grãos, pois são programados por natureza a alimentar-se diversamente - de modo que ambos nem sequer experimentam novas possibilidades -, o homem é um ser que supera determinações naturais.
Não sendo condicionado por natureza, o homem é capaz de vivenciar novas experiências, de inventar artefatos que o possibilitem, por exemplo, voar ou explorar o mundo subaquático, quando não foi dotado por natureza para voar e permanecer sob a água.
Diante disso, Rousseau defende que o homem é o único animal a possuir liberdade, porque ele pode fazer escolhas que vão contra seus instintos ou determinações naturais. Nessa perspectiva, é óbvio que ninguém em sã consciência pensaria em condenar, e nem mesmo em julgar, um tubarão por alimentar-se de um surfista que desliza tranqüila e inocentemente em um oceano qualquer, ou uma cobra peçonhenta por atacar um transeunte distraído em sua caminhada matinal no bosque que freqüenta diariamente. A justificativa é óbvia: isso faz parte da natureza desses animais, ou seja, eles não têm escolha e não podem ser condenados por algo que não poderiam fazer diferentemente. Já ao homem cabem indagações axiológicas (valorativas) e normativas, porque são seres que sempre podem escolher entre atos, condutas, posicionamentos.
Para ilustrar a questão, pode-se observar que, ao se recorrer a qualquer acervo bibliográfico, não são encontrados livros sobre, por exemplo, a história das abelhas, das formigas, dos tigres-debengala. Vemos, sim, livros sobre a vida das abelhas, das formigas etc. Até onde nos levam as evidências, elas vivem da mesma forma e fazem as mesmas coisas desde os primórdios de sua existência.
Essa previsibilidade que caracteriza os animais, em razão de seus condicionamentos naturais, justifica por que eles são seres que não têm história. A vida deles apenas repete a vida de seus antepassados - com leves mudanças no decorrer da evolução, mas nada comparado com o que produzem os humanos: cultura.
O que isso tudo tem a ver com tecnologia e seus efeitos em nossa visão de mundo?
Tem a ver com o fato de que só os seres humanos desenvolvem tecnologia, e isso se dá porque o que chamamos tecnologia nada mais é do que essa capacidade humana de transcendência de suas limitações naturais, levada ao mundo prático. Diz-se, aqui, levada ao mundo prático porque, ao homem, cabe também a forma de transcendência intelectual, como a linguagem.
POR LILIA PINHEIRO
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