quarta-feira, 6 de julho de 2011

HUMANINADE PERFEITA?


A crença na possibilidade de uma humanidade perfeita é algo muito antigo. Já Platão, com sua visão tripartite do homem, colocando o racional como o mais elevado no homem e os que se deixavam guiar pela reflexão como os superiores entre os humanos, abria o caminho para a “supremacia da racionalidade”. Porém, nenhuma corrente de pensamento na Antiguidade foi mais veemente na sua defesa da força do ser humano diante das adversidades que o estoicismo. Tal corrente, que teve diversas faces, desenvolvendo-se na Grécia e perpassando a cultura romana, a tal ponto de um de seus imperadores, Marco Aurélio, ter sido um dos maiores expoentes desta escola filosófica, baseava- se praticamente em único ponto, louvavelmente sintetizado por seu criador, Zenão de Cicio, (homologoúmenos tei physei zen – viver de acordo com a natureza). Tal corrente pregava uma grande indiferença aos diversos problemas que a vida podia trazer, elevando assim a grandiosidade do homem, que uma vez pautado pelo seu lado racional, pode se sentir ileso a qualquer problema da vida. Esta indiferença, no grego chamado ataraxia (ausência de preocupações, impertubabilidade), teve grande repercussão no mundo ocidental.
As ideias estoicas foram fortemente retomadas pela corrente racionalista, principalmente na estruturação de uma ética pessoal. A obra do filósofo René Descartes As paixões da alma faz uma forte apologia à indiferença, na qual cada ser humano deve se adaptar às vicissitudes que a vida propõe.
Podemos perceber essas tendências estoicas e cartesianas presentes na mentalidade geral em situações como, por exemplo, escolhas ou tomadas de decisão, nas quais as pessoas dizem: “preciso pôr a cabeça no lugar”. Esta frase traz um forte sentido racionalista, e se acredita que “esfriar a cabeça”, não deixar que emoções venham à tona em momentos difíceis, é o melhor a ser feito para não haver arrependimentos posteriores. Porém, tais fatos ainda não são propriamente negativos, embora idealistas, pois as decisões nunca são tomadas sem influência do emocional, mas sim carregadas de cunho afetivo. 
Os frutos mais complexos do racionalismo herdado de Descartes e do estoicismo são dois: a crença no superhomem e o desprezo pelas questões emocionais, gerando uma grande insensibilidade na humanidade, algo que explode de maneira alarmante em nosso tempo. Alguns exemplos gerais elucidam o exposto. Cada dia, nossos noticiários e periódicos trazem índices de mortes alarmantes, muitas vezes ocasionadas por motivos banais, reduzindo vidas a estatísticas. Tais índices mostram como se desvalorizou a vida, tanto por aqueles que são agentes das notícias, assassinos, como por aqueles que as recebem. Salvo casos raros, que nos parecem muito bárbaros, e causam choque geral, o máximo que temos é uma relativa comoção que em nada nos toca realmente.

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