domingo, 11 de setembro de 2011

Santo Agostinho: a verdade e a felicidade residem em Deus I


    Este texto procura elucidar brevemente os pontos do pensamento agostiniano que são necessários para poder compreender porque, para este autor, o homem pode conhecer apenas pela graça divina, mas tem o dever moral de preparar sua alma e seu corpo para receber esta luz e de fazer bom uso do livre-arbítrio. Procurei fazer associações despretensiosas com outros traços da cultura anterior a sua época, como a mitologia helênica.
    No Livro VII das Confissões e no diálogo O Livre Arbítrio , Agostinho argumenta especificamente sobre o problema do mal. Tem ele o mal como algo presente, e nos primeiros livros das Confissões , identifica-o em sua infância e na sua juventude libertina, ocorridas antes do episódio de agosto de 386 que o levou à conversão, (1)e antes de sua convivência com Santo Ambrósio, que o batizou e a quem chama de agente de Deus.
    Sendo Deus eterno e imutável, autor de coisas muito boas, qual é, então, a origem do mal? Agostinho sabe, quando isto pergunta, que a origem do mal é tradicionalmente explicada pela Igreja Católica com a queda do Arcanjo Lúcifer. Embora as referências Bíblicas ao Maligno como ex-Arcanjo sejam escassas, e o próprio nome Lúcifer (formado a partir do latim lux ) e a hierarquia angelical tenham sido forjadas com o decorrer da Idade Média, ainda assim encontramos algumas passagens bíblicas que ilustram bem este tema daqueles que querem ser como Deus e por isso são punidos. Alguns exemplos estão no Velho Testamento, em Isaías 14:
    ”12 Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filha da alva! como foste lançado por terra, tu que debilitava as nações!
    13 E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei meu trono, e no monte da congregação me assentarei, da banda dos lados do norte.
    14 Subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo.
    15 E contudo levado será ao inferno, ao mais profundo do abismo. “(2)
    Ou no Novo Testamento, no Apocalipse segundo São João, no capítulo 12, onde há uma mulher, possivelmente virgem Maria, que dá à Luz um varão “que há de reger todas as nações com vara de ferro” e é tentada pelo Dragão da maldade, que após isso tem de enfrentar as tropas celestiais:
    ”7 E houve uma batalha no céu. Miguel e seus anjos batalhavam contra o dragão, e batalhava o dragão e seus anjos.
    Mas não prevaleceu, nem mais o seu lugar se achou nos céus.
    E foi precipitado o grande Dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e Satanás, que engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele.”
    Satanás na terra tenta os homens, mas o Apocalipse prossegue explicando que é vencido pelo poder do Cordeiro, o Jesus Cristo.
    Não podemos também esquecer que no Gênesis, a Serpente consegue seduzir Eva prometendo-lhe que esta ficaria igual a Deus se comesse o fruto proibido, e era por isso que Deus lhe proibira. Realmente, após comer a queda, Deus fala para seus anjos: ” E eis que o homem é um de nós, sabendo o que é bem e o mal; ora, pois, para que não estenda a tua mão, e tome também da árvore da vida, e coma e via eternamente” ( Gen, 3, 22). Começa então, segundo a Bíblia, a condição miserável do homem, obrigado a trabalhar para garantir seu sustento, e a se abrigar para fugir do frio. Este trecho sugere que o homem estará eternamente condenado a escolher entre o Bem e o Mal. Então, tanto a queda do primeiro anjo quanto a queda do primeiro homem é causada por um ato livre de vontade, em que se pretende ser igual a Deus.
    No capítulo 3 do livro VII das Confissões , Agostinho se pergunta, a respeito de Lúcifer: “E se por uma decisão de sua vontade perversa, se transformou de anjo bom em demônio, qual é a origem daquela vontade má com que se mudou em diabo, tendo sido criado Anjo perfeito, por um criador tão bom?”. Logo, não ignora o problema da origem do mal tal qual a Igreja Católica o explica, mas vai ainda além, perguntando a origem da perversão da vontade nas criaturas boas criadas por Deus.
    A argumentação segue considerando que, naturalmente, o mal não provém de Deus, mas está nas coisas criadas e na matéria. As coisas criadas “não existem absolutamente nem totalmente deixam de existir” (Livro VII, cap 11). As coisas existem enquanto participam da Suma Existência, daquele que é, do Imutável, e deixam de existir quando se afastam dele. As coisas que se corrompem são boas ao menos em parte, pois não haveria o que se corromper se fossem totalmente más. Porém, não são como Deus, absolutamente boas, pois se assim fosse seriam incorruptíveis. Assim, o mal ocorre quando as criaturas se afastam de da existência, ou seja, o mal não existe propriamente, mas é um não-ser. Tudo é verdadeiro enquanto existe e a falsidade só ocorre quando se toma por existente o não existente. Agostinho no capítulo 16 do livro VII, chega à definição do mal como uma perversão da vontade desviada da Substância Suprema – Deus.
    Se Deus é a suma Existência e a Suma Bondade, os seres para alcançar a verdade tem de procurá-lo. Julgar que o caminho para se atingir a verdade seja humano, ou dependa apenas de esforços humanos, constitui soberba, pois a verdade é externa e independente do homem. Para Agostinho, o conhecimento da Verdade depende em última instância da Graça Divina, que agracia apenas alguns escolhidos. Qual é o dever moral do homem então, qual é o seu campo de ação, se ele parte em busca da verdade sem saber se a vai encontrar? Procurarei tratar deste tópico a seguir.

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