Sócrates não condena as paixões e, sim, a exacerbação do ciúme – uma das paixões. Santoro explica que sempre que a Filosofia pensou o homem, a constituição do humano, especialmente da alma humana, as paixões entraram como um lugar de problematização importante. Isso desde o início da Filosofia. “Se há uma coisa que sempre se percebeu – e os filósofos sempre atentaram para isso – é que a natureza humana é constituída também das paixões, de como ela é afetada pelo mundo e de como ela responde ao modo como ela é afetada”, explica.
O conceito de paixão como sofrimento ou como algo que nos atinge vindo de fora tem sua origem na Grécia antiga. Os gregos denominavam pathos toda força ou ação externa ao sujeito que provoca neste uma redução de sua capacidade de agir, explica Matheus. Enfim, ‘pathos’ é o mesmo que ‘dor’. E toda dor, admitia-se, tem sempre alguma origem externa à vontade. Referências às paixões humanas encontram-se tanto em Platão e Aristóteles quanto entre os epicuristas e os estóicos.
Epicuro foi um filósofo que se dedicou especialmente ao tema, por partir do pressuposto de que a vida humana é fundamentalmente marcada pela dor. Para os latinos – como Cícero, por exemplo – as paixões são entendidas como afecções (affectio), isto é, como efeitos externos que causam perturbações ou comoções decorrentes de condutas contrárias à razão.
O significado desta palavra só vai ser alterado no Romantismo – assim como a conotação ambivalente e fugidia que o ciúme adquire, como mencionamos acima quando se atribui às paixões o sentido de emoções intensas ou profundas que impulsionam a vontade em busca de metas visíveis ou remotas. Como diz Hegel, “sem paixão não se faz história”. Esta herança romântica permanece no vocabulário contemporâneo. “No período atual, paixão conserva um significado ambíguo, como se encontra em Jankélévitch e Sponville. Paixão ficou mais próxima da virtude e mais distante da dor”, explica Matheus.
Toda essa discussão sobre o conceito de paixão para falar sobre o ciúme se justifica porque vão existir, na história da filosofia, dois modelos de pensamento: um vai condenar as paixões, tentar abolilas – estando o ciúme aí incluído –, e outro, na linha contrária, irá defender a moderação destas, isto é, chegar a uma medida que não seja excessiva e nem também faltosa. Este último é o modelo aristotélico, por exemplo. Ou o modelo do tipo socrático ou platônico, em que a razão governa as paixões. Isto é, as paixões a serviço da razão. A razão pode tanto determinar o momento de maior paixão quanto de menor paixão de acordo com o que ela entenda que seja o melhor, o mais virtuoso.
Os estóicos, em oposição, acreditam que as paixões perturbam a alma e que a virtude se alcança por uma exclusão, extirpação do afeto, das paixões. Segundo os estóicos, “a virtude consiste em não se deixar atingir por temores ou esperanças externas”, explica Matheus.
Na Filosofia moderna e contemporânea tem sido enfatizada a anterioridade e até mesmo a independência do mundo emocional em relação à razão. “O que se diz é que os sentimentos positivos, como o amor, a alegria e o prazer, e também os sentimentos negativos, como o ódio, a tristeza e a dor, escapam ao controle da razão”, afirma Matheus.
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