terça-feira, 5 de julho de 2011

China: um comunismo reinventado


Para adotar o comunismo, a China precisou adaptar teorias à realidade de seu povo, criando um modelo próprio. A influência veio de Confúcio, que dizia ser preciso descobrir o novo por meio do antigo, e de outros pensadores chineses, como Mozi.
É impossível compreender o pensamento chinês moderno sem buscar suas raízes no passado. Até mesmo o que podemos chamar de um "comunismo chinês" está carregado deste pensamento tradicional, antigo, por mais contemporâneo que pareça. Isso acontece em função da continuidade histórica da China, um fenômeno que a diferencia de quase todas as outras civilizações do mundo e é praticamente desconhecido no Ocidente. Para os chineses, citar filósofos como Confúcio para explicar o contexto atual é tão normal e verossímil quanto citar Marx - e apesar disso parecer contraditório, no plano das ideias desta civilização ambos dialogam de modo atemporal. Isso se dá em função da rica herança filosófica que constitui o alicerce do que é "o pensar chinês".
Ainda há certa curiosidade sobre o que é o comunismo chinês. Para alguns, é um sistema repressivo e arcaico, que faz execuções de prisioneiros e tem sérios problemas éticos em lidar com o nascente capitalismo e os princípios democráticos.
Para outros, é justamente um sistema firme, conservador, que pune devidamente os prisioneiros e que compete no mundo do capitalismo como se deve fazer. Mais do que isso, porém, o comunismo chinês é uma incógnita histórica e teórica. Suas inúmeras adaptações o fizeram ser entendido tanto como um pragmatismo necessário à cultura chinesa quanto um desvio ideológico preocupante.
O comunismo na China passou por um processo de absorção e de transformação, dentro de uma lógica própria desta civilização, tal como ocorreu com o budismo. Uma tendência marcante no pensamento chinês é a disponibilidade, como apontou o sinólogo François Jullien, de se abrir para novas ideias. Mas, ao mesmo tempo, a inserção destas se dá pela sua sinização - ou seja, pela possibilidade de se transformarem e se adaptarem às necessidades intelectuais e ideológicas chinesas milenares. Dito isso, não é preciso muito para imaginar que se o comunismo conseguiu se estabelecer na China foi porque passou pelas modificações devidas para dialogar com a mente chinesa. Mas com quem, ou com o que, esse marxismo precisava discutir para se firmar?
Desde a época Han, os chineses já dirigiam suas teorias filosóficas a um processo de síntese, uma atitude interessante que mescla tolerância (para com outras teorias), reconhecimento (que envolve a identificação de pontos positivos no outro) e interesse próprio (a adaptabilidade e a disponibilidade). Os chineses têm, portanto, uma vasta experiência em absorver ideias estranhas à sua cultura, mas de um modo bastante particular, capaz mesmo de operar importantes modificações no perfil de uma teoria.
Antes de analisarmos a vinda das teorias marxistas para a China, devemos aceitar, no entanto, que os chineses já tinham algumas concepções de "comunismo primitivo". Na China antiga, entre os séculos V e III a.C., a sociedade passava por uma intensa crise ética e política, que levou à formação de uma série de escolas de pensamento cujos objetivos eram criar propostas para a resolução das questões que assolavam o governo e o povo. A escola do pensador Mozi já advogava, por exemplo, a "luta social" entre a elite exploradora e o campesinato espoliado como a causa fundamental dos conflitos sociais. Para ele, a solução era a destruição da cultura vigente, a abolição das classes altas (nobreza), a instauração de um regime camponês comunitário e a divisão das terras de modo igualitário.
Diante desta síntese, poderíamos quase acreditar que Mozi era comunista-marxista, mas além de criarmos um anacronismo histórico, o fato é que Mozi acreditava também no "Céu" como uma entidade religiosa e magnífica, capaz de cuidar dos seres humanos. Seu "novo sistema" não pretendia mais do que a abolição dos nobres, mas mantinha, substancialmente, o modo de vida da antiga comunidade camponesa. Por fim, Mozi apenas germinou teorias sobre a exploração e a luta de classes, mas não aprofundou as questões históricas e teóricas sobre economia e política.

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