"Temo-te quando estás próxima, amo-te quando estás longe"
(Nietzsche, Assim falou Zaratustra)
Quem é você? Para os filósofos gregos, existem três maneiras de responder a essa questão: sentindo, conhecendo e amando. A sensação destaca-se pela oposição. Por exemplo, sente-se o doce do mel se a língua estiver amarga, se ela também estiver doce, não sentimos nada. A possibilidade do conhecimento depende do inverso, compreende-se algo quando se reconhece uma semelhança entre o que nos vêm à lembrança e o que nos aparece, caso contrário, não compreendemos nada. Presa aos sentidos ou às lembranças, a relação amorosa apenas reforça nossas identidades. Mas o amor pode nos servir como outra via para a ciência de nós mesmos, sendo uma confiança, uma promessa de semelhança, onde, à primeira vista, percebemos só haver dessemelhança.
Atentemos para o fato: esse outro que se ama é uma ameaça. Esse amor é um risco. Como num jogo de azar, abdicamos de uma identidade certa em nome de algo incerto. O que se espera amando desse jeito, confiando na promessa de sermos semelhantes àquilo que desconhecemos? Só assim percebemos que existimos, escreve Martin Heidegger em suas anotações de aula sobre as Confissões de Santo Agostinho: "Cum inhaesero tibi ex omni me (...) et viva erit vita mea" [quando estiver unido a ti por todo o meu ser (...) e viva será a minha vida] (Agostinho, Confissões, X, 28). "Minha vida é a vida autêntica (eigentliches Leben), eu existo (...). O existir significa viver radicalmente na possibilidade" (Heidegger, Estudos sobre a mística medieval, p. 106).
O beijo, de William Bouguereau. O amor é determinante para nossa existência. Temos uma lacuna, um lado ausente que só se realiza quando encontramos alguém que se pareça a isto que nos falta.
Entre os alunos que frequentaram as aulas de Heidegger na intensa década de XX, estava Hannah Arendt. Anos mais tarde, ela defenderia a tese: O conceito de amor em Santo Agostinho. Tanto um quanto outro foram influenciados pelas ideias de Søren Kierkegaard. Foi esse filósofo dinamarquês, discípulo do romântico Friedrich Schelling, que pela primeira vez relacionou os conceitos de amor e de vida, tal como eles aparecem nas Escrituras, ao conhecimento de quem somos:
"Esse é o milagre da vida, prestando atenção em si mesmo, cada um de nós conhece o que nenhuma ciência sabe, pois conhece o que é. Essa é a profundidade do 'conhece-te a ti mesmo' (...) Está na hora de procurarmos entendê-lo novamente à grega, desta vez escutando-o como fariam os gregos se tivessem noções cristãs" (Kierkegaard, O conceito de angústia, p. 84).
Nas páginas que se seguem, pretendo esboçar as ideias da eternidade do amor e do conhecimento de si desenvolvidas por Agostinho, Kierkegaard, Heidegger e Hannah Arendt.
No caminho aberto pelos gregos, séculos antes do cristianismo, pensou-se o amor como uma sociedade com o desconhecido. Essa mesma idéia perpassa os textos de Agostinho, no qual encontra- se a frase: "non intratur in veritatem, nisi per caritatem [não se entra na verdade, senão por amor]" (Agostinho, Contra Fausto, XXXII, 18; citado por Heidegger, Ser e tempo, § 29). Das tantas recorrências ao amor em seus livros, uma muito interessante está na passagem das Confissões onde Agostinho relata as tristezas provocadas pela amizade de uma pessoa que precipitadamente veio a falecer.
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