quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Poema de William Shakespeare

Não chame o meu amor de Idolatria
Nem de Ídolo realce a quem eu amo,
Pois todo o meu cantar a um só se alia,
E de uma só maneira eu o proclamo.
É hoje e sempre o meu amor galante,
Inalterável, em grande excelência;
Por isso a minha rima é tão constante
A uma só coisa e exclui a diferença.
'Beleza, Bem, Verdade', eis o que exprimo;
'Beleza, Bem, Verdade', todo o acento;
E em tal mudança está tudo o que primo,
Em um, três temas, de amplo movimento.
'Beleza, Bem, Verdade' sós, outrora;
Num mesmo ser vivem juntos agora.

Filosofia da mente: Matéria e Memória


Por João de Fernandes Teixeira
O título desta coluna é também a do livro clássico de Henri Bergson (1859-1941). Publicado em 1896, Matéria e Memória interessa aos filósofos da mente por sua rejeição ao reducionismo. Aliás, toda Filosofia bergsoniana caminha na direção de rejeitar essa visão, segundo a qual nossas sensações e estados mentais seriam meras traduções da movimentação das moléculas no cérebro.
É nesse livro em especial e em algumas outras passagens de sua obra que Bergson ataca o problema da relação entre mente e cérebro pela irredutibilidade da memória ao corpo. Para isso, ele precisa avançar contra uma concepção corrente de memória, típica da Psicologia popular, segundo a qual ela é o armazenamento de percepções no cérebro, ou seja, a uma idéia do cérebro como arquivo de lembranças.
Quando começamos a perder a memória estamos, na verdade, enfrentando problemas de acesso a ela. Em nenhum momento ela desaparece. Bergson também argumenta que as lesões cerebrais tampouco destroem as lembranças supostamente localizadas na região lesada; elas podem simplesmente comprometer as ações necessárias ao seu acesso.
Um caso curioso mencionado por Bergson contra a hipótese do cérebro-arquivo é o de um paciente que se esquece somente da letra "f". O fato de apenas a letra "f" ter sido esquecida não indica que ela foi apagada. Ao contrário, abstrair o "f" em todas as palavras escritas ou faladas sugere que há um reconhecimento implícito dessa letra e que de alguma forma ela continua na memória.
Ainda usando exemplos que envolvem peculiaridades sobre a memória para fundamentar seu antirreducionismo, Bergson cita o caso do indivíduo que foi progressivamente perdendo sua memória, mas de acordo com a ordem estabelecida pela gramática. Primeiro vieram os substantivos, depois os adjetivos, e assim por diante. Como a degeneração física do cérebro poderia obedecer à gramática?
Bergson menciona esse caso como mais uma maneira de enfatizar o seu antirreducionismo mostrando como a memória pode manifestar assimetrias entre mente e cérebro. Anos mais tarde, Wittgenstein (1889-1951) também identificaria uma dessas assimetrias, afirmando nas suas Zettel que a memória "é uma regularidade psicológica à qual não corresponde nenhuma regularidade fisiológica".
Outro filósofo - quase contemporâneo a Bergson, mas de uma tradição completamente diferente que também se ocupou do tema da memória foi Norman Malcolm (1911-1990). Ele foi discípulo e amigo de Wittgenstein. Malcolm, que cita Bergson, também critica a idéia de memória como estoque. Mas essa parece ser uma idéia profundamente entranhada na literatura neurocientífca há muito tempo. Basta ver, por exemplo, o ensaio de Freud O bloco maravilhoso, de 1924. Nele está implícita a questão do estoque, de saber como é possível gravar uma quantidade tão formidável de lembranças num espaço tão pequeno. A mesma preocupação encontra-se em pesquisadores mais recentes, como, por exemplo, o neurobiólogo Karl utilizando um modelo holográfico chegou a propor que nosso cérebro pode ser mesmo um imenso reservatório contido num espaço diminuto.
Para Bergson memória é retenção, e o que precisa ser explicado são os processos de supressão ou desaparecimento de lembranças
Malcolm aponta que a Neurociência até agora confundiu a idéia de estocagem com a de retenção, que são semelhantes, mas distintas. Seu exemplo parece ser bem claro. Quando troco alguns móveis da minha sala de estar, mas mantenho a mesa de minha avó, estou retendo-a. Isso é diferente de colocá-la no sótão, que seria estocá-la. Essa mesma diferença deveria ser aplicada ao caso da memória.
Mas será que no amnésico gramatical de que nos fala Bergson, a ordem cerebral não poderia simplesmente coincidir com a ordem da gramática e isso justificaria a possibilidade de sustentarmos a existência de uma degeneração ordenada sem, no entanto, que isso implique uma assimetria entre mental e cerebral? Estudos mais recentes com neuroimagem vêm tentando mostrar que o mapa de nossas funções cognitivas e o mapa de nosso cérebro são isomórficos. A Ciência cognitiva sugere que a sintaxe está gravada no cérebro. Nesse caso, Bergson poderia não estar certo e a razão do desaparecimento de lembranças na ordem gramatical poderia ser explicada a partir de um modelo neurocognitivo.
Baseando-se nessa ideia, a Neurociência atual busca incessantemente o lugar da memória no cérebro, como se em alguns pontos dele houvesse algo parecido com transcrições neuronais de lembranças. Mas essa busca por marcas de memória tem sido malsucedida. Uma das dificuldades é que, do ponto de vista químico, a gravação e supressão de lembranças é um processo idêntico, o que dificultaria a identificação de quando essas transcrições estariam ocorrendo.
Malcolm chega a sugerir que o que chamamos de memória é um jogo de linguagem que cria não apenas a idéia de um lugar virtual no cérebro onde as lembranças estariam estocadas, como também criaria uma ilusão temporal, ou um tempo virtual em sentido contrário, como se a mente pudesse retroceder ao passado. Mas a memória é um passado que ocorre sempre agora, pois os processos mentais ocorrem sempre no presente, em tempo real. A memória não é uma camada no tempo, mas apenas uma maneira específica de falar de coisas no presente, usando um jogo de linguagem específica. Memória e percepção estão muito próximas...
Claro que essa é uma concepção que se choca frontalmente com o conceito de memória da Neurociência contemporânea e, sobretudo, com o nosso senso comum. Mas no caso de Bergson não é isso o que ocorre. Seu modelo de memória se mantém atual na Neurociência contemporânea. Sua crítica à idéia de memória como reservatório cerebral e de uma memória que não desaparece é compatível a um modelo defendido por vários neurocientistas contemporâneos, entre os quais o brasileiro Ivan Izquierdo. Nesse modelo, memória é retenção, e o que precisa ser explicado são os processos de supressão ou desaparecimento de lembranças. É o inverso do modelo do estoque, que mesmo assim mostra que temos muito mais lembranças do que nosso cérebro pode acomodar (com exceção, talvez, de Funes, o memorioso, personagem de Jorge Luis Borges que se lembrava de tudo...).

Trabalho Humano III


                Por Pe. Neto
Há no Seridó uma cultura agropecuária. Todo seridoense pensa a partir do mundo rural, entretanto atualmente é presente um despertar de pequenas empresas têxteis, e comerciais, explora-se a cerâmica e a mineração, e por cima de tudo é fonte de rende as oficinas mecânicas e o trabalho de bordadeira que caba a mulher. Toda essa estrutura marcadas substancialmente pelo capitalismo, pela questão do lucro, do consumo e do poder. Neste processo o trabalhador não é contável. O trabalhador não tem direitos. Assim as empresas não investem em formação, ambiente adequado de trabalho, salários dignos, etc., e desta maneira há uma grande insegurança tanto para os donos das empresas como para os trabalhadores. É gritante a situação do trabalhador entre nós! Para além de tudo isso, o trabalhador não tem consciência de organização e facilmente é massa aproveitável e abundante, dando ao empresariado o direito de exigir horas extras, dispensar trabalhador sem nenhum compromisso, etc.
Neste mundo trabalhista marcado pelo capitalismo que desarticula toda relação trabalho e trabalhador é presente a trabalho da agricultura e pecuária. Afirmo mais uma vez que a cultura seridoense é profundamente agropecuária. Num passado não muito distante “os donos de terra” tinham os seus moradores subservientes e sem nem o direito de criar um “bichinho” nas propriedades onde moravam, tudo era de meio ou terça e sem investimento na agricultura nem no agricultor. A situação era de desfiguramento do “morador” isto favoreceu em grande parte o êxodo rural e a descrença generalizada da agricultura. Os Sindicatos que vinham em favor do homem do campo eram minizados e as lutas populares negadas. Neste contexto muitos “donos de terra” queixam-se da dificuldade em encontrar alguém que se dedique a agricultura, as propriedades estão abandonadas, são poucos os ditos “moradores” e taxa-se o trabalhador de vagabundo, preguiçoso, etc. Não é o homem que é vagabundo, mas uma situação de negação do trabalho e do trabalhador na agricultura que criou este clima. Ninguém investiu em agricultura, com exceção da construção de pequenos açudes e a substituição do “boi Zebu” pela vaca holandesa em vista da produção do leite, tudo voltado para a produção e comercialização como grifo maior do capitalismo. Neste contexto capitalista a monocultura do algodão que rendeu divisas ao Seridó, ninguém pensou em novo projeto a não a ser a exploração até a exaustão, entretanto responde-se ao problema como sendo questão de “bicudo”, etc. Assim com referencia ao agricultor, o principal agente de riqueza, nunca se pensou em uma qualificá-lo nem muito menos seus filhos. Deste modo num processo rápido chegamos a situação insuportável para todos.
Hoje, é o mundo da agricultura que vive situação difícil, amanhã será o mundo da pequena empresa se não despertar para a partilha dos bens acumulado com o trabalho de tantos. É urgente a organização do trabalhador e o respeito a estas instituições. “É necessário recordar mais uma vez o principio típico da doutrina social cristã: os bens deste mundo são originariamente destinados a todos. O direito à propriedade privada é válido e necessário, mas não anula o valor de tal principio. Sobre a propriedade, de fato, pesa “uma hipoteca social”, quer dizer, nela é reconhecida, como qualidade intrínseca, uma função social, fundada e precisamente pelo principio da destinação universal dos bens. Nem se há de descurar, neste empenho pelos pobres, aquela forma especial de pobreza que é a privação dos direitos fundamentais da pessoa, em particular do direito à liberdade religiosa e, ainda, do direito à iniciativa econômica.
Nossas ultimas opiniões partem do dado fundamental de que o Trabalho é questão social (cf. LE 3) e “o ensino e a difusão da doutrina social fazem parte da missão evangelizadora da Igreja. E tratando-se de uma doutrina destinada a orientar o comportamento das pessoas, tem de levar cada uma delas, como conseqüência, ao “empenho pela justiça” segundo o papel, a vocação e as circunstancias pessoais” (SS 41)

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Poema de Fernando Pessoa

Foi um momento
O em que pousaste
Sobre o meu braço
Num movimento
Mais de cansaço
Que pensamento,
A tua mão
E a retiraste.
Senti ou não?

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

O HOMEM NA FILOSOFIA DE MARTIN HEIDEGGER


O pensamento filosófico de Martin Heidegger, em sua visão antropológica, desvela a essência do homem e seu significado existencial. Vemos em Heidegger que a essência do homem depende de sua relação com o ser, não de algum tipo de racionalidade. O homem é dotado de racionalidade, porém não é isso que define a sua essência. Na visão heideggeriana, a essência do homem reside na sua ek-sistência e a ek-sistência é a clareira do ser. Portanto, a essência do homem é relação com o ser.
Tradicionalmente, o homem é visto como envolvendo três constituintes: o corpo (Leib), a alma (Seele, o princípio animar, responsável por estarmos vivos e por nossa vida mais baixa, apetitiva e emocional), e espírito (Geist, nossa razão "capacidade de dizer eu"). Heidegger desconsidera essa compreensão tradicional do homem, pois a Antropologia, o estudo do homem, anthropos, tenta então reunificar o homem. O seu erro, no entanto, foi tratá-lo como um ente dotado de uma natureza intrínseca bem própria, destituído de sua especial relação com o ser.
A Filosofia heideggeriana fez uma crítica radical à metafísica clássica (desde Aristóteles até Hegel), dizendo que Parmênides descobriu o ser. Já Platão, o teria ocultado por buscar o sentido do ser nos entes. Todos os filósofos anteriores a Heidegger não teriam compreendido o ser, por identificá-lo com a objetividade.
Heidegger, em sua Filosofia, interessa- se pelo aspecto ontológico. Ele busca o sentido do ser ("Por que existe o ser e não o nada?"), perguntando-se pelo ente que o corporificaria exemplarmente. E o encontra no homem, por ser o único ente que tem consciência do ser (o homem é o "pastor do ser", que guarda e escuta o ser).
De todos os entes, o homem é o único ao qual é funcionalmente exigida uma solução para o problema do existir, segundo Heidegger
Portanto, o homem é o ser-aí (Dasein): o único que existe é o ser individual e finito que está aí e seu modo de ser (essência) é a existência, ou seja, o conjunto de possibilidades de vir a ser. As coisas são, mas não existem, isto é, só o homem existe. A existência, contudo, é o poder ser, ou seja, o ato de projetar-se, utilizando as coisas como instrumentos e elas não são para a contemplação, mas para serem usadas pelo homem, isto é, o ser das coisas é sua utilidade para o homem. O homem compreende as coisas quando descobre para que servem (como utilizá-las) e compreende a si próprio quando descobre o que pode ser.
Heidegger utiliza o termo Dasein, isto é, "Ser-aí, presente, disponível, existir". Para ele, o Dasein unifica o homem, evitando a tradicional tripartição em corpo, alma e espírito. Ele não localiza a essência do homem em alguma faculdade específica, tal como a razão. Um dos aspectos centrais de Dasein, junto com o ser-lançado e a decadência, é a existência, e isto significa que ele tem de decidir como ser. Dasein não é essencialmente e inevitavelmente racional. Obra de Zuber Buhler Fritz, O espírito da manhã
O Dasein ou a existência significam que nós não apenas somos, mas percebemos que somos, mas nunca estamos acabados, como algo presente. Não podemos rodear a nós mesmos, mas em todos os pontos, estamos abertos para um futuro e temos de conduzir a nossa vida. Estamos entregues a nós mesmos e somos aquilo que nos tornamos.
A questão fundamental da Filosofia não é o homem, mas sim o ser, não só do homem como de todas as coisas. Uma Filosofia que colocasse o homem como centro de preocupação seria antes uma Antropologia. Heidegger afirma que, a questão que lhe preocupa não é a existência do homem e sim a questão do ser em seu conjunto e enquanto tal. Assim, o principal objetivo da obra Ser e Tempo é investigar o sentido do ser. Para efetuar tal tarefa, começou investigando o ser que nós próprios somos. Podemos perceber que a pergunta principal de Heidegger é: qual é o sentido do ser? Ele substitui a pergunta dos filósofos clássicos - o que é o ser? Pois, para ele, essa ficou indevida por estar clara e evidente.
O ponto de partida necessário de toda tentativa por determinar, em seu rigor, o ser do ente em geral, era o homem como ser-aí ou Dasein. Pois, de todos os entes, o homem é o único ao qual é funcionalmente exigida uma solução para o problema do existir. Assim, criando uma terminologia própria, Heidegger denomina o modo de ser do homem, nossa existência, com a palavra Dasein, cujo sentido é ser-aí, estar aí.
É fundamental reafirmar, contudo, que o filosofar heideggeriano é uma constante interrogação, na procura de revelar e levar à luz da compreensão o próprio objeto que decide sobre a estrutura dessa interrogação, e que orienta as cadências do seu movimento: a questão sobre o Ser. Assim, em linhas gerais, buscará a compreensão do homem em Heidegger enquanto Ser-aí, revelado por meio da relação com o Ser.
Heidegger fez adaptações da Fenomenologia, necessárias para a análise das temáticas existenciais. Ele não aceitava a denominação de existencialista, mas de filósofo da existência, isto é, Heidegger elaborou uma Filosofia da existência. Ele percebeu, no método fenomenológico, a possibilidade de uma descrição dos mais variados aspectos da existência em sua total nudez, livre dos entraves das tradições filosóficas e religiosas ou dos constructos cientíticos.
Por meio da Fenomenologia, Heidegger foi conduzido a refletir a respeito da questão fundamental, isto é, a problemática do Ser. A Fenomenologia de Husserl foi absoluta para o desenvolvimento do pensamento de Heidegger, pensamento esse que se caracteriza pela análise metódica, pela clareza na exposição e o rigor científico, que ensinava a tomar consciência num período de dissolução interna e externa de tudo o que era estável, obrigando a evitar toda a linguagem grandiloqüente, a provar cada conceito na intuição dos fenômenos, pois a Fenomenologia é precisamente a arte de desvelar aquilo que, no comportamento quotidiano, ocultamos de nós mesmos1.
Uma das grandes mudanças que Heidegger fará à Fenomenologia será a sua dissociação do idealismo das idéias, caracterizadas pelas intenções transcendentais, para partir da vida real. A função da Fenomenologia consiste em inserir-se nessa realidade, que foge à total autotransparência, e nela manifestar aquilo que ali se oculta da reflexão, assim como a partir de si manifesta- se, isto é, ocultando-se para a radicalidade reflexiva. É só assim que podemos atingir o ser do ente, muito além das dissimulações da vida em seu acontecer concreto, assumindo o Ser como velamento e desvelamento reciprocamente entranhados.

Governados por cegos e irresponsáveis


Por Leonardo Boff
Afunilando as muitas análises feitas acerca do complexo de crises que nos assolam, chegamos a algo que nos parece central e que cabe refletir seriamente. As sociedades, a globalização, o processo produtivo, o sistema econômico-financeiro, os sonhos predominantes e o objeto explícito do desejo das grandes maiorias é: consumir e consumir sem limites.
Criou-se uma cultura do consumismo propalada por toda a mídia. Há que consumir o último tipo de celular, de tênis, de computador. 66% do PIB norte-americano não vem da produção, mas do consumo generalizado. As autoridades inglesas se surpreenderam ao constatar que entre os milhares que faziam turbulências nas várias cidades não estavam apenas os habituais estrangeiros em conflito entre si e pessoas dos guetos, mas universitários, ingleses desempregados, professores e até recrutas. Era gente enfurecida porque não tinha acesso ao tão propalado consumo. Não questionavam o paradigma do consumo mas as formas de exclusão dele.
No Reino Unido, depois de M.Thatcher e nos USA depois de R. Reagan, como em geral no mundo, grassa grande desigualdade social. Naquele pais, as receitas dos mais ricos cresceram nos últimos anos 273 vezes mais do que as dos pobres, nos informa a Carta Maior de 12/08/2011. Então não é de se admirar a decepção dos frustrados face a um “software social” que lhes nega o acesso ao consumo e face aos cortes do orçamento social, na ordem de 70% que os penaliza pesadamente. 70% do centros de lazer para jovens foram simplesmente fechados.
O alarmante é que nem primeiro ministro David Cameron nem os membros da Câmara dos Comuns se deram ao trabalho de perguntar pelo porquê dos saques nas várias cidades. Responderam com o pior meio: mais violência institucional. O conservador Cameron disse com todas as letras:”vamos prender os suspeitos e publicar seus rostos nos meios de comunicação sem nos importarmos com as fictícias preocupações com os direitos humanos”. Eis uma solução do impiedoso capitalismo neo-liberal: se a ordem que é desigual e injusta, o exige, se anula a democracia e se passa por cima dos direitos humanos. Logo no país onde nasceram as primeiras declarações dos direitos dos cidadãos.
Se bem reparamos, estamos enredados num círculo vicioso que poderá nos destruir: precisamos produzir para permitir o tal consumo. Sem consumo as empresas vão à falência. Para produzir, elas precisam dos recursos da natureza. Estes estão cada vez, mas escassos e já dilapidamos a Terra em 30% a mais do que ela pode repor. Se pararmos de extrair, produzir, vender e consumir não há crescimento econômico. Sem crescimento anual os países entram em recessão, gerando altas taxas de desemprego. Com o desemprego, irrompem o caos social explosivo, depredações e todo tipo de conflitos. Como sair desta armadilha que nos preparamos a nós mesmos?
O contrário do consumo não é o não consumo, mas um novo “software social” na feliz expressão do cientista político Luiz Gonzaga de Souza Lima. Quer dizer, urge um novo acordo entre consumo solidário e frugal, acessível a todos, também aos demais seres vivos e os limites intransponíveis da natureza.
Como fazer? Várias são as sugestões: um “modo sustentável de vida”da Carta da Terra, o “bem viver” das culturas andinas, fundada no equilíbrio homem/Terra, economia solidária, bio-sócio-economia, “capitalismo natural”(expressão infeliz) que tenta integrar os ciclos biológicos na vida econômica e social e outras.
Mas não é sobre isso que falam quando os chefes dos Estados opulentos se reunem. Lá se trata de salvar o sistema que veem dando água por todos os lados. Sabem que a natureza não está mais podendo pagar o alto preço que o modelo consumista cobra. Já está a ponto de pôr em risco a sobrevivência da vida e o futuro das próximas gerações. Somos governados por cegos e irresponsáveis, incapazes de dar-se conta das consequências do sistema econômico-político-cultural que defendem.
É imperativo um novo rumo global, caso quisermos garantir nossa vida e a dos demais seres vivos A civilização técnico-científica que nos permitiu níveis exacerbados de consumo pode pôr fim a si mesma, destruir a vida e degradar a Terra.
Seguramente não é para isso que chegamos até a este ponto no processo de evolução. Urge coragem para mudanças radicais, se ainda alimentamos um pouco de amor a nós mesmos.