quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Falemos de política


 É um tema muito delicado, sobretudo na época atual.
Mas o que é política?
Se a etimologia não mente, é a ciência do governo da cidade.
Pode ser que esta definição não lhes agrade; mas isto pouco me embaraça. Estou expondo um novo sistema social; é natural que me aparte das opiniões geralmente admitidas.
Continuemos.
A política é o governo da cidade. A cidade se compõe de freguesias, de ruas, de casas, de famílias e de indivíduos, assim como a nação de províncias e municípios.
Já se vê, pois, que a política deve ser também a ciência de bem governar a casa ou a família, e de promover os interesses dos indivíduos.
Isto é lógico, e ninguém me poderá negar que, promovendo-se estes interesses, não se concorra poderosamente para o melhoramento da freguesia, da província, e finalmente do país.
Daqui resultam, portanto, dois grandes sistemas políticos, dois princípios únicos da ciência do governo.
Um que procede à guisa da análise, que parte do particular para o geral, que promove os interesses públicos por meio dos interesses individuais.
O outro é uma espécie de síntese, desce do geral ao particular, e, melhorando o país, assegura o bem estar dos indivíduos.
Este método, tanto em política, como em lógica, tem geralmente pouca aceitação: de ordinário os espíritos esclarecidos preferem a análise.
Quereis saber como se faz a análise em política?
Em vez de examinarem-se as necessidades do país, examinam-se as necessidades deste ou daquele indivíduo, nomeam-no para um bom emprego criado sem utilidade pública, e o país se incumbe de alimentá-los por uma boa porção de anos.
Lá chega um dia em que se precisa de um ministro, e lança-se mão daquele indivíduo como de um homem predestinado, o único que pode salvar o país.
Eis, portanto, os favores feitos àquele indivíduo dando em resultado um benefício real à causa pública; eis a política por meio do empenho – quero dizer da análise, - criando futuros ministros, futuros presidentes, futuros deputados e senadores.
Alguns espíritos frívolos, que não tem estudado profundamente este sistema político, chamam a isto de patronato!
Ignorantes, que não sabem que cálculo profundo, que sagacidade administrativa é necessária para criar-se um homem que sirva nas ocasiões difíceis!
Estes censuram o deputado que, em vez de se ocupar dos objetos públicos, trata dos seus negócios particulares; falam daqueles que sacrificam os interesses de sua província às exigências de sua candidatura de senador.
E não compreendem que estes hábeis políticos, promovendo os interesses de sua pessoa, de sua casa e de sua família, não tem em vista senão auxiliar o melhoramento do país, partindo do menor para o maior.
De fato, algum dia eles pagarão à nação tudo quanto dela receberam, em projeto de reformas, em avisos, em discursos magníficos. Isto enquanto não vão a Europa passear e fazer conhecida do mundo civilizado a ilustração dos estadistas brasileiros.
E há ainda quem chame a isto patronato, empenho ou desmoralização! Como se em muitos outros países, e até na França, não estivesse em voga este mesmo sistema de governar!
Outrora se dividiam as formas de governo em república, monarquia representativa e monarquia absoluta. Hoje está conhecido que estas divisões são puramente escolásticas, e que não há senão duas maneiras de governo: o governo individual e o governo nacional, o governo dos interesses particulares e o governo dos interesses do país.
Cada um deles pode conduzir ao fim desejado, procedendo por meios diversos.
Um, por exemplo, escolhe o indivíduo para o emprego, segundo a sua aptidão; o outro escolhe o emprego para o indivíduo, segundo a sua importância.
O primeiro ganha um bom empregado, o segundo um excelente aliado. Um pode errar na escolha do indivíduo; o outro pode ser traído pelo seu protegido.
 José de Alencar, Correio Mercantil, Rio de Janeiro, 10 de junho de 1855.

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