O filósofo na sala de aula. Texto extraído da Rev. “Conhecimento Prático”
Há quem só conheça filósofo na sala de aula. Mas o lugar do filósofo não é aí. Não originalmente. O lugar do filósofo, como consagrado na Grécia Antiga, é a praça pública, o ginásio de esportes, as festas e a peregrinação urbana. Sócrates se recusou a ensinar e, de fato, de modo algum foi professor. Nós modernos podemos ter todos esses lugares para exercer a filosofia - e eis que a internet os duplica ou triplica de modo saudável -, mas temos também a sala de aula.
Todavia, a sala de aula é um lugar diferente dos lugares tradicionalmente escolhidos pelo filósofo para filosofar. A sala de aula, em qualquer nível de ensino, tem algo de esquisito. Ela presencia um encontro entre o filósofo e os estudantes, mas que não foi marcado por nenhum dos dois lados da relação que ali se estabelecerá. Pela primeira vez, o filósofo participará de uma relação erótica - como toda relação filosófica autêntica é e tem de ser - sem que exista conhecimento prévio das partes envolvidas. É um namoro às cegas. Ao menos no primeiro momento.
Boa parte das relações do filósofo com os que vão ter com ele são relações comandadas por Eros, mas, efetivamente, planejadas pelas partes. A sala de aula não. Ela marca um encontro em que as partes não se conhecem e, talvez, não quisessem estar ali. Por isso, ela é o lugar mais difícil para a filosofia. Trata-se de uma sedução com hora marcada - e isso tira toda a espontaneidade da sedução que é a filosofia.
É claro que o filósofo pode contornar a situação. Aliás, ao longo dos anos ele aprendeu a também estar na sala de aula. Viu que a força da filosofia é tão grande que até mesmo na sala de aula ela pode se estabelecer. Ou, melhor dizendo, a força de Eros é tão possante como comando e guia da filosofia que até mesmo no ambiente forçadamente deserotizado da sala de aula as relações amorosas não cessam. O bom filósofo logo se dá conta disso e, então, vê que a sala de aula, que a princípio tinha tudo para lhe ser hostil e não produtiva, pode ser posta a seu serviço. Todavia, há nisso um segredo.
Não pense vocês que eu vou contar o segredo. Segredo é segredo, caso eu conte deixaria de ser segredo. Não posso falar. Mas nada me impede de dar pistas.
A primeira pista já foi dada. O segredo da filosofia de conseguir desenvolver sua atividade erótica, mesmo na sala de aula, é reconhecer de antemão que a sala de aula marca um encontro em que as partes envolvidas são ali postas por forças exteriores, não por si mesmas. Comanda o encontro a instituição e o dinheiro, e isso conta contra qualquer relação erótica. Assim, o filósofo deve saber que, já no primeiro dia de aula, ele não está ali a pedidos dos estudantes. Nem ele pediu aqueles estudantes ali postos. Tomar ciência desse fato é meio caminho andado para ultrapassar os limites da sala de aula.
A segunda pista é fácil, pois já faz parte da intuição que temos de qualquer namoro. É o "dar início" à sedução. Como é que iniciamos uma sedução? O filósofo é um bom namorador. Caso não, não deve ser filósofo. Insucesso na arte de sedução de mulheres e de homens é um grande impeditivo para ser um bom filósofo na sala de aula.
O namorador de sucesso ou o conquistador verdadeiro não engana, ele conquista o outro não porque faz o outro se apaixonar, mas porque faz o outro se apaixonar porque ele também está disposto a se apaixonar. O erotismo da filosofia está longe da atividade do D. Juan ou do libertino, e próximo da vida de Romeu. A sinceridade é a arma que nenhum jogador usa. Mas o erotismo da filosofia não joga - namoro não é jogo. Namoro é namoro.
Essas são as duas pistas. Só não dei, de fato, o pulo do gato. Descubra-o por você mesmo e tenha o mesmo êxito que eu, como filósofo, tenho tido - até na sala de aula.
* PAULO GHIRALDELLI JR é filósofo, escritor e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
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