A cultura brasileira é marcada por algumas aberrações no que diz respeito a dignidade humana e consequentemente não se cria um Brasil onde cada um viva sua cidadania. Uma aberração gritante é a consciência do trabalho. O Aurélio define trabalho: “aplicação das forças e faculdades humanas para alcançar um determinado fim, também: atividade coordenada, de caráter físico e/ou intelectual, necessário à realização de qualquer tarefa, serviço ou empreendimento”. Nossa cultura tem base na compreensão greco-romano onde o homem pleno vivia da reflexão. O homem é um ser racional, por seu lado o trabalho que requer esforço é próprio dos escravos que no império romano eram multidões. Esta experiência contradiz a definição de trabalho apresentada pelo Dicionário.
A cultura brasileira além de ter no seu substrato essa compreensão greco-romana, e auxiliada por uma história de 300 anos de escravidão negra. Desde o “descobrimento” até o império o trabalho era realidade para homens de cor negra, capturados na África e transportados em navios negreiros e vendidos, como mercadorias, nos portos latino-americanos. Comércio que dava bons lucros a quem intermediava esse empreendimento. Tudo isso leva o povo brasileiro a ter o trabalho como coisa de escravo e como tal algo indigno para o ser humano. Essa compreensão pode ter base histórica-cultural, mas não corresponde ao projeto que fale de dignidade humana.
Trabalho, além da definição de Aurélio, é a única chance do homem fazer seu mundo mais humano e manifestar o seu verdadeiro ser pessoal. E numa perspectiva de fé o trabalho é a possibilidade dada por Deus ao ser humano para se assenhorear da realidade envolvente, é a chance do homem “dar nome a terra” (cf. Gn 1,26). Assim toda atitude de transformação da realidade pode ser dita trabalho. Deste modo, trabalha o homem e a mulher quando tenta fazer algo para o bem pessoal, como social. Dar banho numa criança e gerenciar uma grande empresa são possibilidades de trabalho. Governar um país ou quebrar pedra em qualquer pedreira isto é trabalho. Servir uisque num motel e lecionar numa escola municipal é possibilidade de dignificação do ser humano, isto é trabalho. Desta maneira todos são dignos do homem e possibilidade de ser homem.
Esse amalgama de atitudes e comportamentos humanos são modos de trabalhar. Tudo isso é graça e pode ser visto como vocação, pois todo homem é chamado a trabalhar. O trabalho requer de todo homem empreendimento, aperfeiçoamento e aqui se torna uma profissão. Eu sou um profissional, é urgente uma qualificação. Quanto mais qualificado melhor exerço meu trabalho com dignidade. O trabalho, que é graça e fala de dignidade humana, pode tornar-se desgraça quando o próprio homem se impõe à natureza, ao companheiro trabalhador, criando distancias que fere as relações de solidariedade, favorecendo um trabalho que não fala de dignidade e para muitos se faz “com peso”, com negação do agente do trabalho. Aqui o trabalho torna-se estafante, vem com uma marca de castiço, etc. Essa dimensão do trabalho não lhe é própria, mas nasce de uma usurpação do trabalho e do trabalhador. A Escritura afirma que o trabalho depois do pecado tornou-se “um comer com o suor do rosto” (cf. Gn 3,18). O pecado, a mania de desfazer o projeto do Senhor, de se impor ao projeto que fala da dignidade do homem, cria a situação em que o trabalho toma o colorido de pesado e negação do ser humano.
O trabalho não é coisa de negro, nem para negro, mas comportamento próprio para todo ser humano. O trabalho deve implicar a liberdade humana e nunca vivido como dinâmica de escravidão. Ninguém pode obrigar a ninguém trabalhar, isto deve aflorar de uma atitude livre e deliberada de cada homem. Só assim, o trabalho tem algo de criativo e manifestador das múltiplas possibilidades de ser homem. Deste modo compreendemos que somente o ser humano é capaz de trabalhar, pois ao ser humano foi dada a possibilidade não só de racionalizar, dar lógicas, mas fazer o mundo conforme seu pensar, sua razão. O homem é agente de mundo humano e humanizante, isto saído de seu trabalho, passando por suas mãos.
PALAVRA DO PAPA.
‘A contemplação do mistério da Trindade faz-nos entrar neste mistério de Amor eterno, que é fundamental para nós. De fato, as primeiras páginas da Bíblia afirmam que: ”Deus criou o homem à Sua imagem; criou-o à imagem de Deus. Ele os criou homem e mulher” (Gn 1,27). Pelo próprio fato de que Deus é amor e o homem é sua imagem, compreendemos a identidade profunda da pessoa, a sua vocação para o amor. O homem é feito para amar; a sua vida só se realiza plenamente se for vivida no amor. Depois de ter procurado longamente, Santa Teresa do Menino Jesus compreendeu assim o sentido da sua existência: “A minha vocação é o Amor!” (Manuscrito B, folha 3)’.
(Mensagem para o décimo Fórum internacional dos jovens promovido pelo Pontifício Consenho para Leigos – L’OSSERVATORE ROMANO, numero 13, 17 de março de 2010).
Por Pe. Neto
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