quinta-feira, 31 de maio de 2012

DESCARTES – AS PAIXÕES DA ALMA


Art. 36. Exemplo da maneira como as paixões são excitadas na alma.
E, além disso, se essa figura é muito estranha e muito apavorante, isto é, se ela tem muita relação com as coisas que foram anteriormente nocivas ao corpo, isto excita na alma a paixão do medo e, em seguida, a da ousadia, ou então a do temor e a do terror, conforme o diverso temperamento do corpo ou a força da alma, e conforme nos tenhamos precedentemente garantido pela defesa ou pela fuga contra as coisas prejudiciais com as quais se relaciona a presente impressão; pois isso dispõe o cérebro de tal modo, em certos homens, que os espíritos refleti-dos da imagem assim formada na glândula seguem, daí, parte para os nervos que servem para voltar as costas e mexer as pernas para a fuga, e parte para os que alargam ou encolhem de tal modo os orifícios do coração, ou então que agitam de tal maneira as outras partes de onde o sangue lhe é enviado, que este sangue, rarefazendo-se aí de forma diferente da comum, envia espíritos ao cérebro que são próprios para manter e fortificar a paixão do medo, isto é, que são próprios para manter abertos ou então abrir de novo os poros do cérebro que os conduzem aos mesmos nervos; pois, pelo simples fato de esses espíritos entrarem nesses poros, excitam um movimento particular nessa glândula, o qual é instituído pela natureza para fazer sentir à alma essa paixão, e, como esses poros se relacionam principalmente com os pequenos nervos que servem para apertar ou alargar os orifícios do coração, isso faz que a alma a sinta principalmente como que no coração 49.
Art. 37. Como todas parecem causadas por qualquer movimento dos espíritos.
E como acontece coisa semelhante 49 O mecanismo aqui descrito é muito complexo. De uma parte, verifica-se um condicionamento: a ligação "instituída pela natureza" entre a abertura de certos orifícios ventriculares e a paixão sentida pela alma. De outra parle, verifica-se um auto-refor-çamento circular (feedback): '"Os espíritos refleti-dos pela imagem assim formada sobre a glândula", quer por áção direta sobre o coração, quer por uma variação no regime do sangue, modificam o regime dos espíritos animais que seguem do coração para o cérebro, de modo que a alma, sentindo a paixão, torna a lançar os espíritos no mesmo circuito. com todas as outras paixões, a saber, que são principalmente causadas pelos espíritos que estão contidos nas cavidades do cérebro, enquanto tomam seu curso para os nervos que servem para alargar ou estreitar os orifícios do coração, ou para impelir diversamente em sua direção o sangue que se encontra nas outras partes, ou, de qualquer outra maneira que seja, para sustentar a mesma paixão, pode-se claramente compreender, de tudo isso, por que afirmei acima, ao defini-las, que são causadas por algum movimento particular dos espíritos 50.
Art. 38. Exemplo dos movimentos do corpo que acompanham as paixões e não dependem da alma.
De resto, assim como o curso seguido por essesespíritos para os nervos do coração basta para imprimir movimento à glândula pela qual o medo é posto na alma, do mesmo modo, pelo simples fato de alguns espíritos irem ao mesmo tempo para os nervos que servem para mexer as pernas na fuga, causam eles um outro movimento na mesma glândula por meio do qual a alma sente e percebe tal fuga, que dessa forma pode ser excitada no corpo pela simples disposição dos órgãos e sem que a alma para tanto contribua.
Art. 39. Como a mesma causa pode excitar diversas paixões em diversos homens.
A mesma impressão que exerce sobre a glândula a presença de um ob-jeto pavoroso, e que causa o medo em alguns homens, pode excitar, em outros, a coragem e a audácia, isto porque nem todos os cérebros estão dispostos da mesma maneira, e o mesmo movimento da glândula que em alguns excita o medo faz com que, em outros, os espíritos entrem nos poros do cérebro que os conduzem, parte aos nervos que servem para mexer as mãos na defesa e parte nos que agitam e impelem o sangue ao coração, da maneira requerida a produzir espíritos próprios para continuar esta defesa e manter a vontade de prossegui-la51.
Art. 40. Qual é o principal efeito das paixões.
Pois cumpre notar que o principal efeito de todas as paixões nos homens é que incitam e dispõem a sua alma a querer as coisas para as quais elas lhes preparam os corpos; de sorte que o sentimento de medo incita a fugir, o da audácia a querer combater e assim por diante52.

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