quarta-feira, 30 de maio de 2012

Método Socrático - PARTE II


Segundo Wolff a ironia é uma atitude profundamente filosófica. Ao incidir sobre as coisas, sobre os outros ou sobre nós mesmos, tem um efeito purificador e salutar. Contrariamente à troça ou ao sarcasmo que são sinais de vaidade ou à hipocrisia que se torna maligna, a ironia simples e subtil permite distanciar-nos e colocar entre nós próprios e as nossas necessidades o tempo de uma interrogação ou o espaço de uma pergunta zombeteira. Ironizar sobre si: aquilo que já fazemos maquinalmente, aquilo que julgamos saber, aquilo em que estamos certos de acreditar, no fundo porque o fazemos? A ironia, ao roubar momentos de consciência à seriedade das coisas e da existência, pode considerar-se como um luxo. A filosofia socrática é esse luxo. É preciso ter tempo para nos abstrairmos do tempo que vai passando, para nos surpreendermos com aquilo que já não surpreende.
O  Método de Sócrates pretende ensinar o uso e o valor das definições precisas dos conceitos que se empregam nas discussões do quotidiano. Não as chegaremos a possuir sem, previamente, procedermos a uma revisão das noções tradicionais, do senso comum, das concepções vulgares incorporadas na linguagem. Esta necessidade de se discutirem conceitos como ponto de partida para a construção de um raciocínio rigoroso está bem patente nos momentos 328d) a 333e) do diálogo Protágoras.
Numa primeira fase dos diálogos ocorre como que um resultado aparentemente negativo que se pode considerar como a fase negativa e destrutiva do método e que é de extremo valor. De facto é muito importante saber que não se sabe e que o senso comum e a lingua comuns são apenas pontos de partida para a reflexão filosófica e que a discussão dialéctica tem justamente por finalidade ultrapassá-los e superá-los. A catarse destruidora constitui uma condição indispensável de reflexão pessoal que proporcionará a pesquisa da verdade. Sócrates preocupa-se com a procura da definição dos conceitos imutáveis e universais de Bem, Verdade, Justiça, Coragem e outras qualidades morais. Ao tentar definir esses conceitos procura as verdades universais, comuns a todos os homens. Só quando estes souberem o que significam palavras tais como justiça, coragem, piedade e virtude é que poderão ter a pretensão de agir com justiça, tornando-se verdadeiramente justos, corajosos e piedosos.
Há uma coerência prática no discurso: as verdades de Sócrates eram postas à prova pela ação moral. A razão estabelecida em comum é uma razão prática. Como diz Wolff "De que serviria discutir a justiça se não fosse para se ser justo?" (1985, p.48). A ação moral individual é uma prova de que a pessoa atingiu a posse do conhecimento. Só quem o possui pode exercer a bondade, a justiça, a piedade. Aquele que sabe o que é o "bem" não pode deixar de o praticar. Assim só o ignorante pode ser mau. Quem pratica o que é mau fá-lo, No fim da vida, depois de condenado à morte, os seus amigos arquitectaram a sua fuga. Todos, incluindo os próprios juízes, a teriam aceite complacentemente. Mas Sócrates respondeu a Críton: "Os Atenienses condenaram-me legalmente, após um processo justo, por isso também é justo que eu seja fiel às suas leis e ao seu julgamento, não fugindo" (Wolff, 1985, p.25). Nunca saberemos o que esteve por trás destas palavras de Sócrates. Mas ao escolher morrer em vez de fugir de Atenas, Sócrates provou pela sua opção de escolha que a sua verdade podia ser posta à prova pela ação que tomou. Fugir implicava fazer uma ação injusta. Por sua vez esta ação implicaria falta de justiça que, no seu entender, implicava falta de conhecimento. Estas implicações recíprocas, ou de equivalência, não se harmonizavam, de forma nenhuma, com o que Sócrates tinha defendido durante toda a sua vida: não se pode ser justo sem se ter conhecimento e só o ignorante pode ser mau ou agir mal.

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