terça-feira, 22 de maio de 2012

DESCARTES - AS PAIXÕES DA ALMA


Art. 8. Qual é o princípio de todas essas funções.
Mas não se sabe comumente de que forma esses espíritos animais e nervos contribuem para os movimentos e os sentidos, nem qual é o princípio corpo  ral que os faz agir; eis por que, embora já tenha tratado algo do assunto em outros escritos1 °, não deixarei de dizer aqui sucintamente que, enquanto vivemos, há um contínuo calor em nosso coração, que é uma espécie de fogo aí mantido pelo sangue das veias, e que esse fogo é o princípio corporal de todos os movimentos de nossos membros.
 Art. 9. Como se faz o movimento do coração12.
O seu primeiro efeito é dilatar o sangue que enche as cavidades do coração; e isso é causa de que esse sangue, tendo necessidade de ocupar maior espaço, passe com impetuosidade da cavidade direita para a veia arterial, e da esquerda para a grande artéria; depois, cessando essa dilatação, torne incontinenti a entrar da veia cava para a cavidade direita do coração, e da artéria venosa para a esquerda; pois há pequenas peles nas entradas desses quatro vasos, dispostas de tal modo que fazem com que o sangue não possa penetrar no coração senão pelas duas últimas, nem sair dele exceto pelas duas outras. O novo sangue que entra no coração é aí imediatamente rarefeito, do mesmo modo que o precedente; é só nisso que consiste a pulsação ou o batimento do coração e das artérias; de sorte que esse batimento se reitera tantas vezes quantas entra sangue novo no coração. É também só isso que dá ao sangue o seu movimento, e o faz correr, muito rápida e incessante mente, em todas as artérias e veias, mediante o que leva o calor que adquire no coração a todas as outras partes do corpo e lhes serve de alimento.

Art. 10. Como se produzem no cérebro os espíritos animais.
Mas o que há nisso de mais notável é que todas as partes mais vivas e mais sutis do sangue que o calor rarefez no coração entram incessantemente em grande quantidade nas cavidades do cérebro. E a causa que as conduz para aí, de preferência a qualquer outro lugar, é que todo sangue saído do coração pela grande artéria toma seu curso em linha reta para esse sítio, e que, não podendo entrar todo, porque o lugar possui apenas passagens muito estreitas, só passam as suas partes mais agitadas e mais sutis, enquanto o resto se espalha por todos os outros locais do corpo. Ora, tais partes do sangue muito sutis compõem os espíritos animais1 3; e não precisam, para tal efeito, receber qualquer modificação no cérebro, exceto a de serem separadas das outras partes do sangue menos sutis1 4; pois o que denomino aqui espíritos não são mais do que corpos e não têm qualquer outra propriedade, exceto a de serem corpos muito pequenos e se moverem muito depressa, assim como as partes da chama que sai de uma tocha; de sorte que não se detêm em nenhum lugar e, à medida que entram alguns nas cavidades do cérebro, também saem outros pelos poros existentes na sua substância, poros que os conduzem aos nervos e daí aos músculos, por meio dos quais movem o corpo em todas as diversas maneiras pelas quais esse pode ser movido1 5.

Art. 11. Como se fazem os movimentos dos músculos.
Pois a única causa de todos os movimentos dos membros é que os músculos se encolhem e seus opostos se alongam, como já foi dito; e a única causa que faz um músculo encolher-se mais do que seu oposto é que recebe, por pouco que seja, mais espírito do cérebro do que o outro. Não que os espíritos que vêm imediatamente do cérebro bastem por si sós para moverem tais músculos, mas determinam os outros espíritos que já existem nesses dois músculos a saírem todos mui prontamente de um deles e a passarem ao outro; dessa maneira, aquele de onde saem torna-se mais longo e mais lasso e aquele no qual entram, sendo rapidamente inflado por eles, se encolhe e atrai o membro a ele ligado. E isso é fácil de conceber, desde que se saiba que pouquíssimos espíritos animais vêm continuamente do cérebro para cada músculo, mas que em cada um há sempre grande quantidade de outros encerrados no mesmo músculo que acham, a saber, quando não encontram passagens abertas para sair, e às vezes correndo para o músculo oposto. Tanto mais que há pequenas aberturas em cada um desses músculos por onde tais espíritos podem correr de um para 0 outro e que estão de tal modo dispostas que — quando os espíritos vindos do cérebro para um deles possuem, por pouco que seja, mais força do que os que vão para o outro1 6 — abrem todas as entradas por onde os espíritos do outro músculo podem passar para ele e fecham, ao mesmo tempo, todas por onde os espíritos desse podem passar ao outro; dessa maneira, todos os espíritos antes contidos nesses dois músculos se reúnem num deles mui prontamente e assim o inflam e o encolhem, enquanto o outro se alonga e se distende. nele se movem muito depressa, às vezes girando apenas no lugar onde se acham, a saber, quando não encontram passagens abertas para sair, e às vezes correndo para o músculo oposto. Tanto mais que há pequenas aberturas em cada um desses músculos por onde tais espíritos podem correr de um para 0 outro e que estão de tal modo dispostas que — quando os espíritos vindos do cérebro para um deles possuem, por pouco que seja, mais força do que os que vão para o outro1 6 — abrem todas as entradas por onde os espíritos do outro músculo podem passar para ele e fecham, ao mesmo tempo, todas por onde os espíritos desse podem passar ao outro; dessa maneira, todos os espíritos antes contidos nesses dois músculos se reúnem num deles mui prontamente e assim o inflam e o encolhem, enquanto o outro se alonga e se distende.

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