Significa tudo isso que a pre-sença jamais
se compreende em sua abertura? De modo algum. Para Heidegger, a
"compreensão" é um modo de ser-em tão originário quanto a disposição.
Mas aqui não se trata da compreensão entendida como forma de conhecimento; esta
última, na verdade, só é possível a partir da compreensão em sentido
existencial. O ser no mundo mantém-se na familiaridade da convivência
ocupacional, situado num conjunto de remissões referenciais que constituem um
todo significativo. "Na familiaridade com essas remissões, a pre-sença
'significa' para si mesma, ela oferece o seu ser e seu poder-ser para uma
compreensão originária, no tocante ao ser no mundo." (ibid: 132) Ao
compreender o "em função de" da referência ocupacional, a pre-sença
abre uma "significância" que diz respeito a todo ser no mundo e a ela
própria. Além disso, a presença, por existir no modo de uma abertura, é o único
ente de cujo ser faz parte o que ela ainda não é, de cujo ser atual faz parte
suas possibilidades, a pre-sença sempre é o que ela pode ser. Pelo fato de
"ver" possibilidades em função das quais ela é, a pre-sença se
"compreende". "Compreender é o ser desse poder-ser. (....) A
pre-sença é de tal maneira que ela sempre compreendeu ou não compreendeu ser
dessa ou daquela maneira. Como uma tal compreensão, ela "sabe" a quantas
ela mesma anda, isto é, a quantas anda o seu poder-ser." (ibid: 199-20)
Não é demais enfatizarmos: esse saber "a quantas ela mesma anda" não
denota um processo de consciência, pre-sença não é consciência.
Esse "saber" se presta muito bem,
por exemplo, ao entendimento da situação comumente conhecida em que o indivíduo
ignora conscientemente o que se passa consigo, mas o seu comportamento, visto
como um todo, possui sentido, coerência e aparenta já saber desde sempre
"aonde queria chegar". Com o tema da compreensão Heidegger não
pretende contradizer o desconhecimento essencial da disposição. Compreensão e
"saber", aqui, dizem respeito ao fato de a pre-sença constantemente
se deparar com sua abertura. "E somente porque a pre-sença é na
compreensão de seu pre é que ela pode-se perder e desconhecer. E na
medida em que a compreensão está na disposição e, nessa condição, está lançada
existencialmente, a pre-sença já sempre se perdeu e desconheceu. Em seu
poder-ser, portanto, a pre-sença já se entregou à possibilidade de se
reencontrar em suas possibilidades." (ibid: 200)
Desnecessário dizer que a exposição acima é
limitada e seletiva. Ela não aborda, nem de longe, todos os temas,
desdobramentos e insights da obra, e mesmo os temas abordados tampouco
são analisados exaustivamente. Mas essa breve notícia fornece uma idéia do
sentido da noção de ser no mundo na obra de Heidegger, suficiente para que se
possa compreender o porquê de sua utilização na psicopatologia.
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