Art. 12. Como os objetos de fora atuam sobre os órgãos
dos sentidos.
Resta ainda saber as causas que levam
os espíritos a não correrem sempre da mesma forma do cérebro para os músculos e
a se dirigirem às vezes mais a uns do que a outros1 7. Pois, afora a ação
da alma, que é verdadeiramente em nós uma dessas causas, como direi mais
abaixo, há ainda duas outras que não dependem senão do corpo e que é preciso
observar. A primeira consiste na diversidade dos movimentos excitados nos
órgãos dos sentidos por seu objetos, a qual já foi por mim assaz amplamente
explicada na Dióptrica; mas, para que os que virem o presente escrito
não tenham necessidade de ler outros, repetirei aqui que há três coisas a
considerar nos nervos, a saber: a sua medula, ou substância interior, que se
estende na forma de pequenos filetes a partir do cérebro, onde toma origem, até
as extremidades dos outros membros aos quais esses filetes estão ligados;
depois as peles que os envolvem e que, sendo contíguas com as que envolvem o
cérebro, compõem pequenos condutos em que ficam encerrados esses pequenos
filetes; depois, enfim, os espíritos animais que, levados por esses mesmos
condutos do cérebro até os músculos, são a causa de tais filetes permanecerem
aí inteiramente livres e estendidos, de tal modo que a menor coisa que mova a
parte do corpo à qual se liga a extremidade de algum deles leva a mover, pelo
mesmo meio, a parte do cérebro de onde vem, tal como ao se puxar uma das pontas
de uma corda move-se a outra18.
Art. 13. Que esta ação dos objetos
de fora pode conduzir diversamente os espíritos aos músculos.
Expliquei também na Dióptrica como
todos os objetos da visão comu-nicam-se conosco apenas porque movem localmente,
por intermédio dos corpos transparentes que existem entre eles e nós, os
pequenos filetes dos nervos ópticos que se acham no fundo de nossos olhos, e em
seguida os lugares do cérebro de onde provêm esses nervos; que os movem, digo
eu, de tantas maneiras diversas que nos fazem ver diversidades nas coisas, e
que não são imediatamente os movimentos que se efetuam no olho, mas sim os que
se efetuam no cérebro, que representam para a alma esses objetos. A exemplo disso,
é fácil conceber que os sons, os odores, os sabores, o calor, a dor, a fome, a
sede e, em geral, todos os objetos, tanto dos nossos demais sentidos externos
como dos nossos apetites internos, excitam também alguns movimentos em nossos
nervos, que se transmitem por meio deles até o cérebro; e além de esses
diversos movimentos do cérebro fazerem com que a alma tenha diversos
sentimentos, podem também fazer, sem ela1 9, que os espíritos sigam mais
para certos músculos do que para outros, e, assim, que movam nossos membros, o
que provarei aqui somente através de um exemplo. Se alguém avança rapidamente a
mão contra os nossos olhos, como para nos bater, embora saibamos tra-tar-se de
nosso amigo, que faz isso só por brincadeira e tomará muito cuida do para não
nos causar nenhum mal, temos todavia muita dificuldade em impedir que se
fechem; isso mostra que não é por intermédio de nossa alma que eles se fecham,
pois é contra a nossa vontade, a qual é, se não a única, ao menos a sua
principal ação; assim porque a máquina de nosso corpo é de tal modo composta
que o movimento dessa mão contra os nossos olhos excita outro movimento em
nosso cérebro, 0 qual conduz aos músculos os espíritos animais que fazem baixar
as pálpebras20.
Art. 14. Que a diversidade existente
entre os espíritos também pode diversi-Jicar-lhes o curso.
A outra causa21 que
serve para conduzir diversamente os espíritos animais aos músculos é a agitação
desigual desses espíritos e a diversidade de suas partes. Pois, quando algumas
de suas partes são mais grossas e mais agitadas do que as outras, passam mais à
frente em linha reta nas cavidades e nos poros do cérebro, e por esse meio são
levadas a músculos diferentes daqueles para onde iriam se tivessem menos força.
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