Segundo Wolff a ironia é
uma atitude profundamente filosófica. Ao incidir sobre as coisas, sobre os
outros ou sobre nós mesmos, tem um efeito purificador e salutar. Contrariamente à troça ou ao sarcasmo que são sinais de vaidade ou à
hipocrisia que se torna maligna, a ironia simples e subtil permite
distanciar-nos e colocar entre nós próprios e as nossas necessidades o tempo de
uma interrogação ou o espaço de uma pergunta zombeteira. Ironizar
sobre si: aquilo que já fazemos maquinalmente, aquilo que julgamos saber,
aquilo em que estamos certos de acreditar, no fundo porque o fazemos? A ironia, ao roubar momentos de
consciência à seriedade das coisas e da existência, pode considerar-se como um
luxo. A filosofia socrática é esse luxo. É preciso ter tempo para nos
abstrairmos do tempo que vai passando, para nos surpreendermos com aquilo que
já não surpreende.
O
Método de Sócrates pretende ensinar o uso e o valor das definições
precisas dos conceitos que se empregam nas discussões do quotidiano. Não as
chegaremos a possuir sem, previamente, procedermos a uma revisão das noções
tradicionais, do senso comum, das concepções vulgares incorporadas na
linguagem. Esta necessidade de se discutirem conceitos como ponto de partida
para a construção de um raciocínio rigoroso está bem patente nos momentos 328d)
a 333e) do diálogo Protágoras.
Numa primeira fase dos
diálogos ocorre como que um resultado aparentemente negativo que se pode
considerar como a fase negativa e destrutiva do método e que é de extremo
valor. De facto é muito importante saber
que não se sabe e que o senso comum e a lingua comuns são apenas pontos de
partida para a reflexão filosófica e que a discussão dialéctica tem justamente
por finalidade ultrapassá-los e superá-los. A catarse destruidora
constitui uma condição indispensável de reflexão pessoal que proporcionará a
pesquisa da verdade. Sócrates
preocupa-se com a procura da definição dos conceitos imutáveis e universais de
Bem, Verdade, Justiça, Coragem e outras qualidades morais. Ao tentar
definir esses conceitos procura as verdades universais, comuns a todos os
homens. Só quando estes
souberem o que significam palavras tais como justiça, coragem, piedade e
virtude é que poderão ter a pretensão de agir com justiça, tornando-se
verdadeiramente justos, corajosos e piedosos.
Há uma coerência prática no discurso: as
verdades de Sócrates eram postas à prova pela ação moral. A razão estabelecida
em comum é uma razão prática. Como diz Wolff "De que serviria discutir a justiça se não fosse
para se ser justo?" (1985, p.48). A ação moral individual é uma prova de que a pessoa
atingiu a posse do conhecimento. Só quem o possui pode exercer a bondade, a
justiça, a piedade. Aquele que sabe o que é o "bem" não pode deixar
de o praticar. Assim
só o ignorante pode ser mau. Quem pratica o que é mau fá-lo, No fim
da vida, depois de condenado à morte, os seus amigos arquitectaram a sua fuga.
Todos, incluindo os próprios juízes, a teriam aceite complacentemente. Mas
Sócrates respondeu a Críton: "Os Atenienses condenaram-me legalmente, após um processo justo,
por isso também é justo que eu seja fiel às suas leis e ao seu julgamento, não
fugindo" (Wolff, 1985, p.25). Nunca saberemos o que esteve por trás destas palavras de
Sócrates. Mas
ao escolher morrer em vez de fugir de Atenas, Sócrates provou pela sua opção de
escolha que a sua verdade podia ser posta à prova pela ação que tomou. Fugir
implicava fazer uma ação injusta. Por sua vez esta ação implicaria falta de
justiça que, no seu entender, implicava falta de conhecimento. Estas
implicações recíprocas, ou de equivalência, não se harmonizavam, de forma
nenhuma, com o que Sócrates tinha defendido durante toda a sua vida: não se pode ser justo sem se ter
conhecimento e só o ignorante pode ser mau ou agir mal.
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