Art.
20. Das imaginações
e outros pensamentos que são formados pela alma.
Quando nossa alma se aplica a imaginar
alguma coisa que não existe2 6, coino a representar um palácio
encantado ou uma quimera, e também quando se aplica a considerar algo que é omente
inteligível e não imaginável, por exemplo a sua própria natureza, as percepções
que tem dessas coisas dependem principalmente da vontade que a leva a
percebê-las; eis por que se costuma considerá-las como ações mais do que como
paixões2 7.
Art. 21. Das imaginações que só têm
por causa o corpo.
Entre as percepções que são causadas
pelo corpo, a maior parte depende dos nervos; mas há também algumas que deles
não dependem, e que se chamam imaginações28, como essas de que acabo de falar,
das quais, não obstante, diferem pelo fato de nossa vontade não se empenhar em
formá-las, o que faz com que não possam ser incluídas no número das ações da alma,
e procedam apenas de que, sendo os espíritos diversamente agitados, e
encontrando os traços de diversas impressões que precederam no cérebro, tomem
aí seu curso fortuitamente por certos poros mais do que por outros. Tais são as
ilusões de nossos sonhos e também os devaneios a que nos entregamos muitas
vezes estando despertos, quando nosso pensamento erra negligentemente sem se
aplicar por si mesmo a nada29. Ora, ainda que algumas dessas
imaginações sejam paixões da alma, tomando a palavra na sua mais própria e mais
perfeita significação, e ainda que possam ser todas assim denominadas, se se
tomar o termo em uma acepção mais geral, todavia, posto que não têm uma causa
tão notável e tão determinada como as percepções que a alma recebe por
intermédio dos nervos, e parecem ser apenas a sombra e a pintura destas, antes
que as possamos distinguir bem cumpre considerar a diferença que há entre estas
outras.
Art. 22. Da diferença que existe entre as outras
percepções.
Todas as percepções que ainda não
expliquei vêm à alma por intermédio dos nervos30,
e existe entre elas essa diferença pelo fato de relacionarmos umas aos objetos
de fora, que ferem nossos sentidos, e as outras ao nosso corpo ou a algumas de
suas partes, e outras enfim à nossa alma. Art. 23. Das percepções que
relacionamos com os objetos que existem fora de nós. As que referimos a
coisas situadas fora de nós, a saber, aos objetos de nossos sentidos, são
causadas, ao menos quando nossa opinião não é falsa, por esses objetos que, rovocando
alguns movimentos nos órgãos dos sentidos externos, os provocam também no
cérebro por intermédio dos nervos, os quais levam a alma a senti-los. Assim,
quando vemos a luz de um facho e ouvimos o som de um sino, esse som e essa luz
são duas ações diversas que, somente por excitarem dois movimentos diversos em
alguns de nossos nervos, e por meio deles no cérebro, dão à alma dois
sentimentos diferentes, os quais relacionamos de tal modo aos objetos que
supomos serem sua causa, que pensamos ver o próprio facho e ouvir o sino, e não
sentir unicamente movimentos que procedem deles31.
Art. 24. Das percepções que
relacionamos com o nosso corpo.
As percepções que relacionamos com o
nosso corpo ou com qualquer de suas partes são as que temos da fome, da sede e
de nossos demais apetites naturais, aos quais podemos juntar a dor, o calor e
as outras afecções que sentimos como nos nossos membros, e não como nos objetos
que existem fora de nós: assim, podemos sentir ao mesmo tempo, e por intermédio
dos mesmos nervos, a frieza da nossa mão e o calor da chama de que ela se
aproxima, ou então, ao contrário, o calor da mão e o frio do ar a que está
exposta, sem que haja qualquer diferença entre as ações que nos fazem sentir o
quente ou o frio que existe em nossa mão e as que nos fazem sentir aquele que
está fora de nós, a não ser que, sucedendo uma dessas ações à outra julguemos
que a primeira já existe em nós e que a outra, a seguinte, não está ainda em nós,
mas no objeto que a causa.
Art. 25. Das percepções que relacionamos com a nossa
alma32.
As percepções que se referem somente à alma são aquelas cujos efeitos se
sentem como na alma mesma e de que não se conhece comumente nenhuma causa
próxima à qual possamos relacioná-las: tais são os sentimentos de alegria, de
cólera e outros semelhantes, que são às vezes excitados em nós pelos objetos
que movem nossos nervos, e outras vezes também por outras causas. Ora, ainda
que todas as nossas percepções, tanto as que se referem aos objetos que estão
fora de nós como as que se referem às diversas afecções de nosso corpo, sejam
verdadeiramente paixões com respeito à nossa alma, quando tomamos esse termo em
sua significação mais geral, todavia costuma-se restringi-lo a fim de
significar somente as que se relacionam com a própria alma, e apenas essas
últimas é que me propus explicar aqui sob o nome de paixões da alma
este blog tem algo relacoinado a sua vida
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