Art. 26. Que as imaginações que
dependem apenas do movimento fortuito dos espíritos podem ser também paixões
tão verdadeiras quanto as percepções que dependem dos nervos3 3.
Resta notar aqui que exatamente as mesmas
coisas que a alma percebe por intermédio dos nervos lhe podem ser também
representadas pelo curso fortuito dos espíritos, sem que haja outra diferença
exceto que as impressões vindas ao cérebro por meio dos nervos costumam ser
mais vivas e mais expressas do que as excitadas nele pelos espíritos; o que me
levou a dizer no art. 21 que as últimas são como a sombra e a pintura das
outras. É preciso também notar que ocorre algumas vezes ser essa pintura tão
semelhante à coisa representada, que podemos enga-nar-nos no tpcante às
percepções que se relacionam aos objetos fora de nós, ou então quanto às que se
relacionam a algumas partes de nosso corpo, mas não podemos equivocar-nos do mesmo
modo no tocante às paixões, porquanto são tão próximas e tão interiores à nossa
alma que lhe é impossfvel senti-las sem que» sejam verdadeiramente tais como
ela as sente. Assim, muitas vezes quando dormimos, e mesmo algumas vezes
estando acordados, imaginamos tão fortemente certas coisas que pensamos vê-las
diante de nós, ou senti-las no corpo, embora aí não estejam de modo algum; mas,
ainda que estejamos adormecidos e sonhemos, não podemos sentir-nos tristes ou
comovidos por qualquer outra paixão, sem que na verdade a alma tenha em si esta
paixão3 4.
Art. 27. A definição das paixões da
alma.
Depois de haver considerado no que as
paixões da alma diferem de todos os seus outros pensamentos, parece-me que
podemos em geral defini-las por percepções, ou sentimentos, ou emoções da alma,
que referimos particularmente a ela, e que são causadas, mantidas e
fortalecidas por algum movimento dos espíritos3 s.
Art. 28. Explicação da primeira parte dessa definição3 6.
Podemos chamá-las percepções quando
nos servimos em geral desse termo para significar todos os pensamentos que não
constituem ações da alma ou vontades, mas não quando o empregamos apenas para
significar conhecimentos evidentes; pois a experiência mostra que os mais
agitados por suas paixões não são aqueles que melhor as conhecem, e que elas
pertencem ao rol das percepções que a estreita aliança entre a alma e o corpo
torna confusas e obscuras3 7. Podemos também chamá-las sentimentos,
porque são recebidas na alma do mesmo modo que os objetos dos sentidos
exteriores, e não são de outra maneira38 conhecidos por ela; mas
podemos chamá-las melhor ainda emoções da alma, não só porque esse nome pode
ser atribuído a todas as mudanças que nela sobrevêm, isto é, a todos os
diversos pensamentos que lhe ocorrem, mas particularmente porque, de todas as
espécies de pensamentos que ela pode ter, não há outros que a agitem e a abalem
tão fortemente como essas paixões.
Art. 29. Explicações de sua outra
parte.
Acrescento que elas se relacionam
particularmente com a alma, para distingui-las dos outros sentimentos que
referimos, uns aos objetos exteriores, como os odores, os sons, as cores, e os
outros ao nosso corpo, como a fome, a sede, a dor. Acrescento, outrossim, que
são causadas, sustentadas e fortalecidas por algum movimento dos espíritos, a
fim de distingui-las de nossas vontades, que podemos denominar emoções da alma
que se relacionam com ela, mas que são causadas por ela própria, e também a fim
de explicar sua derradeira e mais próxima causa, que as distingue novamente dos
outros sentimentos.
Art. 30. Que a alma está unida a
todas as partes do corpo conjuntamente3*.
Mas, para compreender mais
perfeitamente todas essas coisas, é necessário saber que a alma está
verdadeiramente unida ao corpo todo40, e que não se pode
propriamente dizer que ela esteja em qualquer de suas partes com exclusão de
outras, porque o corpo é uno e de alguma forma indivisível4 n, em
virtude da disposição de seus órgãos, que se relacionam de tal modo uns com os
outros que, quando algum deles é retirado, isso torna o corpo todo defeituoso;
e porque ela é de uma natureza que não tem qualquer relação com a extensão nem
com as dimensões ou outras propriedades da matéria de que o corpo se compõe,
mas apenas com o conjunto dos seus órgaõs42, como transparece pelo fato de
não podermos de maneira alguma conceber a metade ou um terço de uma alma, nem
qual extensão ocupa, e por não se tornar ela menor ao se cortar qualquer parte
do corpo, mas separar-se inteiramente dele quando se dissolve o conjunto de
seus órgãos.
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