Art. 36. Exemplo da maneira como as paixões são
excitadas na alma.
E, além disso, se essa figura é muito
estranha e muito apavorante, isto é, se ela tem muita relação com as coisas que
foram anteriormente nocivas ao corpo, isto excita na alma a paixão do medo e,
em seguida, a da ousadia, ou então a do temor e a do terror, conforme o diverso
temperamento do corpo ou a força da alma, e conforme nos tenhamos precedentemente
garantido pela defesa ou pela fuga contra as coisas prejudiciais com as quais
se relaciona a presente impressão; pois isso dispõe o cérebro de tal modo, em
certos homens, que os espíritos refleti-dos da imagem assim formada na glândula
seguem, daí, parte para os nervos que servem para voltar as costas e mexer as
pernas para a fuga, e parte para os que alargam ou encolhem de tal modo os
orifícios do coração, ou então que agitam de tal maneira as outras partes de
onde o sangue lhe é enviado, que este sangue, rarefazendo-se aí de forma
diferente da comum, envia espíritos ao cérebro que são próprios para manter e
fortificar a paixão do medo, isto é, que são próprios para manter abertos ou
então abrir de novo os poros do cérebro que os conduzem aos mesmos nervos;
pois, pelo simples fato de esses espíritos entrarem nesses poros, excitam um
movimento particular nessa glândula, o qual é instituído pela natureza para
fazer sentir à alma essa paixão, e, como esses poros se relacionam
principalmente com os pequenos nervos que servem para apertar ou alargar os
orifícios do coração, isso faz que a alma a sinta principalmente como que no
coração 49.
Art. 37. Como todas parecem causadas
por qualquer movimento dos espíritos.
E como acontece coisa semelhante 49 O
mecanismo aqui descrito é muito complexo. De uma parte, verifica-se um
condicionamento: a ligação "instituída pela natureza" entre a
abertura de certos orifícios ventriculares e a paixão sentida pela alma. De
outra parle, verifica-se um auto-refor-çamento circular (feedback): '"Os
espíritos refleti-dos pela imagem assim formada sobre a glândula", quer
por áção direta sobre o coração, quer por uma variação no regime do sangue,
modificam o regime dos espíritos animais que seguem do coração para o cérebro,
de modo que a alma, sentindo a paixão, torna a lançar os espíritos no mesmo
circuito. com todas as outras paixões, a saber, que são principalmente causadas
pelos espíritos que estão contidos nas cavidades do cérebro, enquanto tomam seu
curso para os nervos que servem para alargar ou estreitar os orifícios do
coração, ou para impelir diversamente em sua direção o sangue que se encontra
nas outras partes, ou, de qualquer outra maneira que seja, para sustentar a
mesma paixão, pode-se claramente compreender, de tudo isso, por que afirmei
acima, ao defini-las, que são causadas por algum movimento particular dos
espíritos 50.
Art. 38. Exemplo dos movimentos do
corpo que acompanham as paixões e não dependem da alma.
De resto, assim como o curso seguido
por essesespíritos para os nervos do coração basta para imprimir movimento à
glândula pela qual o medo é posto na alma, do mesmo modo, pelo simples fato de
alguns espíritos irem ao mesmo tempo para os nervos que servem para mexer as
pernas na fuga, causam eles um outro movimento na mesma glândula por meio do
qual a alma sente e percebe tal fuga, que dessa forma pode ser excitada no
corpo pela simples disposição dos órgãos e sem que a alma para tanto contribua.
Art. 39. Como a mesma causa pode
excitar diversas paixões em diversos homens.
A mesma impressão que exerce sobre a
glândula a presença de um ob-jeto pavoroso, e que causa o medo em alguns
homens, pode excitar, em outros, a coragem e a audácia, isto porque nem todos
os cérebros estão dispostos da mesma maneira, e o mesmo movimento da glândula
que em alguns excita o medo faz com que, em outros, os espíritos entrem nos
poros do cérebro que os conduzem, parte aos nervos que servem para mexer as
mãos na defesa e parte nos que agitam e impelem o sangue ao coração, da maneira
requerida a produzir espíritos próprios para continuar esta defesa e manter a
vontade de prossegui-la51.
Art. 40. Qual é o principal efeito
das paixões.
Pois cumpre notar que o principal efeito de todas as paixões nos homens
é que incitam e dispõem a sua alma a querer as coisas para as quais elas lhes
preparam os corpos; de sorte que o sentimento de medo incita a fugir, o da
audácia a querer combater e assim por diante52.
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